Sepultura e a Trilogia do Metal Mineiro

Por Felipe Leonel

Possivelmente a principal e mais influente banda de metal do cenário nacional, principalmente durante os anos 1990, o Sepultura começou de forma bastante modesta e, inicialmente, influenciados pelo som de bandas como Venom, Motörhead e Slayer, tudo isso em meio a uma falta de recursos absurda e uma cena musical bastante limitada no Brasil na época. 

Formada em 1984 em Belo Horizonte (Minas Gerais), pelos irmãos Max e Igor Cavalera ocupando os cargos de guitarrista/vocalista e baterista, o Sepultura também incluía em sua formação original Paulo Xisto Jr. no baixo e Jairo Guedez na guitarra solo.

De qualquer forma, mesmo com todas as limitações, a vontade e o sonho de fazer um som extremo e pesado dos irmãos fez com que, depois de muitas tentativas, gravassem sua primeira demo, intitulada "Bestial Devastation" e lançada em 1985. Esse primeiro trabalho do grupo acabou chamando a atenção da gravadora Cogumelo Records, que lançou a demo em forma de EP como parte de um compacto split.

Ainda com essa mesma formação, o Sepultura retornou ao estúdio no ano seguinte para as gravações do que viria a ser o seu primeiro álbum completo, "Morbid Visions" (1986), material que consolidou a banda na cena do metal underground de BH de forma definitiva.

Logo após o lançamento, e depois de apenas algumas apresentações, Jairo Guedez  deixou a banda sendo substituído por Andreas Kisser, músico profissional e que trouxe novas influências, sonoridade polida e maior técnica nas músicas, assim como maior nível de profissionalismo ao grupo. 

Com essa nova formação, é lançado em 1987 o segundo álbum do Sepultura, "Schizophrenia", um verdadeiro marco para a banda naquele momento. O disco fez com que o grupo aumentasse significativamente sua popularidade por todo o Brasil e também com certo destaque na cena internacional. 

Essa trilogia deu início ao que viria a ser o Sepultura como conhecemos hoje e ainda ajudou a construir a sonoridade agressiva e a habilidade técnica da banda, misturando elementos de thrash, death e black metal com uma energia brutal, pavimentando o caminho para o sucesso mundial que viria a seguir ainda no final daquela década.  

O power trio de um quarteto mineiro

Falando de forma bastante direta, os três primeiros álbuns de estúdio do Sepultura foram cruciais para estabelecer a banda como uma das mais importantes e influentes do metal brasileiro e internacional. Foi com esses três discos que o grupo, não apenas definiu o estilo do que é o Sepultura, mas também foram capazes de contribuir significativamente para a reputação e o crescimento do metal brasileiro no cenário do mundo todo.

Bestial Devastation


Ainda eu seja o primeiro trabalho de estúdio oficial do Sepultura, "Bestial Devastation" saiu como um EP em 1985 lançado junto com o álbum "
Século XX" de seus conterrâneos de BH, a banda Overdose, em formato de split, compacto onde o lado A apresenta as músicas de uma banda e o lado B de outra banda.

Meses antes de gravar o que eventualmente se tornaria o "Bestial Devastation", a banda decidiu mudar suas letras de português para inglês. Sem saber nada da língua, dependiam de amigos que tinham algum conhecimento em inglês e, principalmente, dicionários, onde as letras eram traduzidas palavra por palavra gerando uma série de erros na tradução. 

Outro empecilho enfrentado pelo grupo era que nenhum dos membros sabia afinar de forma adequada seus instrumentos, um problema absurdamente perceptível já na primeira audição do disco. Além disso, devido à falta de dinheiro coletiva da banda, a maioria dos instrumentos usados no EP foi emprestada de amigos e conhecidos da banda. 

Segundo os próprios membros, durante as gravações a banda chegou a ter alguns atritos com o produtor que, por não saber como deveria soar um disco de heavy metal, queria limpar todos os timbres durante a mixagem fazendo com que os membros tivessem que tocar alguns discos do Venom para mostrar a ele como soavam as bandas do tipo. 

Morbid Visions


Álbum de estreia do grupo, lançado também pelo selo Cogumelo Records, "Morbid Visions" apresenta oito faixas completas dispostas em ambos os lados A e B do vinil. 

Ao contrário de seu trabalho anterior, com temáticas mais políticas e abordagens do que o grupo entendia como sociedade, o debut apresenta temas e imagens satânicas com suas letras inspiradas nas de bandas de metal extremo, como Venom e Celtic Frost, tendo com semelhança o nome do disco "Morbid Tales", de 1984.

A qualidade de produção do álbum continua bastante tosca e cheia de problemas, assim como o material predecessor, mantendo as guitarras desafinadas e os timbres fora de sintonia, tudo feito de forma não proposital, assim como o problema de tradução das letras.

"Morbid Visions" é a última aparição em estúdio de Jairo Guedez tocando com o Sepultura como membro oficial. Dessa vez, todas as faixas apresentam os nomes de todos os integrantes como compositores, Max Cavalera, Igor Cavalera, Jairo Guedz e Paulo Jr., já sem seus pseudônimos.

Schizophrenia


Lançado em 1987, e fechando os títulos da Cogumelo Records, "Schizophrenia" é o segundo álbum de estúdio da banda e o primeiro trabalho com Andreas Kisser a frente das guitarras solo.  

Com um trabalho de produção muito mais elevado, nesse disco, o som tende mais para o gênero death/thrash metal do que os materiais anteriores da banda, estilisticamente muito mais próximos do black metal. Além disso, a entrada de Kisser trouxe algumas novas influências ao álbum, que agora apresenta um estilo mais melódico e riffs mais "grudentos". 

Nos Estados Unidos, a banda chegou a enviar seu trabalho para diversas rádios americanas, mas acabaram se deparando com um certo medo dos proprietários de clubes que tinham medo de contratá-los devido ao seu estilo. Mesmo assim, o selo Roadrunner Records chegou a contratar a banda lançando "Schizophrenia" internacionalmente.

Na lista de faixas, todas as letras são creditadas por Max Cavalera e Andreas Kisser, sendo que a composição das músicas acabou levando o nome Sepultura. Ainda falando sobre a produção, timbres e captações de áudio tiveram muito mais emprenho e muitas melhorias, assim como as afinações que, agora, estavam completamente acertadas. 

Regravações e relançamentos pelos irmãos Cavalera

Ao longo dos anos, cada um dos três discos chegou a ganhar seus respectivos relançamentos. Algumas das reedições desses álbuns apresentam remasterização com melhorias significativas na produção, principalmente nos dois primeiros trabalhos. Em sua primeira versão em CD, “Morbid Visions” trazia junto de sua lista de faixas as músicas do EP “Bestial Devastation” como bônus tracks.

Além dos materiais reeditados e remasterizados, em 2023 e 2024 os irmãos Cavalera decidiram regravar por completo toda a trilogia do Sepultura, mas agora mantendo apenas o nome "CAVALERA", uma abreviação do nome Cavalera Conspiracy, banda criada pelos irmãos após a saída de Iggor do Sepultura e o reencontro dele com o Max ainda em 2011.

Gravados no The Platinum Underground, estúdio localizado em Phoenix, no Arizona (EUA), os álbuns tiveram produção dos próprios Cavalera e apresenta John Aquilino como engenheiro de som e Arthur Rizk na mixagem e masterização. Já as capas dos três trabalhos são reimaginações das capas originais feitas pelo ilustrador israelense Eliran Kantor. 

Além disso, as regravações de “Morbid Visions” e “Bestial Devatation” incluem duas músicas inéditas cada, compostas durante os anos 1980 enquanto os irmão ainda faziam parte do Sepultura, sendo elas 'Sexta-Feira 13', incluída em “Bestial”, e 'Burn the Dead', presente em “Morbid”.

O que achei das regravações

As regravações e lançamento de “Bestial” e “Morbid” não chegam a ser uma grande surpresa, no caso, por dois motivos. O primeiro deles é que os irmãos cavalera já vem há alguns anos em uma turnê mundial tocando diversos dos clássicos do Sepultura , quando ainda faziam parte da banda, muitas vezes com "Beneath The Remains" (1989) e "Arise" (1991) sendo tocados na íntegra numa mesma apresentação. 

O segundo motivo, e possivelmente o mais óbvio, é que ambos os materiais originais são terrivelmente mal gravados e com sérios problemas de tradução, o que faz muito sentido ambos os discos colocados em uma nova perspectiva sonora, tanto pra banda quanto pros fãs, claro. No caso de "Schizophrenia", o segundo motivo acaba não sendo uma boa desculpa, já que o disco é até que bem gravado, afinado e com letras bem compostas na língua inglesa, mas nada que não valha essa revisitação. 

Bom, de qualquer forma, no novo "Bestial Devastation" ainda é possível ouvir todas as influências da banda e que remetem aos primórdios do grupo, principalmente a influência black metal na faixa-título. Já a pegada thrash frenética, se torna ainda mais característica em 'Antichrist', assim como o punk hardcore, mesmo que tímido, em 'Necromancer'. Uma surpresa agradável aqui, é a faixa Sexta Feira, composta ainda na época do original, mas inédita até então.

Corrigindo os problemas de tradução nas letras e nas afinações das guitarras, em "Morbid Visions" o resultado atual é intenso. Aqui, os clássicos 'Troops Of Doom' e 'Crucifixion' explodem de vontade e trazem pros tempos atuais o que, possivelmente, era a ideia original da banda nos idos dos anos 1980. E nesse disco onde os grooves de Igor começam a aparecer, principalmente na parte central da faixa-título. Isso tudo sem perder os elementos metal extremo, como o black e death de Bestial, mas trazendo certo frescor pra um trabalho já bastante icônico. 

Schizophrenia é, certamente, um momento crucial na evolução e na história do Sepultura, já que é o segundo álbum de estúdio da banda e o que mais tem injeção de melodias trabalhadas especialmente no thrash metal. Aparentemente a regravação que menos faz sentido aqui, o retrabalho consegue trazer os mesmo elementos de groove de antes, mas com mais definição de alguns elementos.

A bateria também consegue soar muito mais aberta soando muito melhores e mais claros. Exemplos ótimos disso são as faixas 'Escape to the Void' e 'To The Wall'. 'Inquisition Symphony' também deixa claro a ideia da regressão, permitindo uma audição maior do baixo, além dos tons mais altos. 

Indo direto ao ponto, regravar essa trilogia foi sim uma ideia excelente, capaz de trazer de volta muito fã das antigas que, seja qual for o motivo, parou de acompanhar o sepultura ou mesmo nunca deu tanta bola pro Cavaleiro Conspiracy. São trabalhos que entregam uma qualidade elevada e que, provavelmente, tem grande chance de conquistar uma nova geração de fãs.


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