Ghost in the Shell 2: Innocence (2004)


Por Felipe Leonel

Continuando os eventos de seu predecessor lançado em 1995, "Ghost in the Shell 2: Innocence" (2004) expande o universo e os temas explorados anteriormente trazendo além de suas conexões temáticas e estilísticas com o longa original, também uma nova abordagem visual e uma narrativa ainda mais profunda. 

Dirigido mais uma vez por Mamoru Oshii, e dessa vez trabalhando também no roteiro da animação, o filme mantém sua visão filosófica e contemplativa, mas dessa vez incorpora referências literárias e artísticas à obra – Paraíso Perdido de John Milton e alguns escritos de René Descartes permeando os diálogos – assim como uma narrativa distinta.

"Innocence" também se aprofunda bastante nas principais questões abordadas no primeiro filme, trazendo novamente a discussão sobre o significado de se estar vivo em um mundo onde a linha entre humanos e máquinas é cada vez mais tênue. 

Expandindo o universo de Ghost in the Shell

"Ghost in the Shell 2: Innocence" se passa em 2032, três anos após os acontecimentos do primeiro filme e aqui Motoko Kusanagi não é a protagonista com sua trama seguindo os antigos companheiros de Setor 9 da Major, Batou e Togusa enquanto investigam uma série de assassinatos ligados as "gynoids" (androides femininas) defeituosos.

Esses gynoids, fabricados pela empresa Locus Solus, começam a apresentar comportamentos erráticos, matando seus proprietários antes de cometerem "suicídio". Durante a investigação, Batou e Togusa descobrem que as máquinas foram ilegalmente programadas com "fantasmas" capturados de seres humanos, criando assim réplicas de consciências humanas usadas para dar inteligência e autonomia a essas robôs.


À medida que a história avança, a Seção 9 desvenda uma conspiração sombria onde a Locus Solus está sequestrando mulheres e copiando suas consciências para criar os fantasmas usados nos gynoids. 

O longa culmina em Batou enfrentando não apenas os inimigos da corporação, mas também seus próprios questionamentos existenciais sobre sua humanidade e a ausência de sua ex-companheira, agora uma entidade livre no ciberespaço. 

"Innocence" explora as implicações éticas da relação entre humanos e tecnologia, destacando o vazio emocional que pode surgir quando a humanidade se torna dependente de criações artificiais para preencher suas lacunas existenciais. O título reflete tanto a pureza perdida pelos seres humanos quanto o questionamento sobre o que significa ser "inocente" em um mundo dominado por máquinas.

Além disso, enquanto o longa de 1995 é uma adaptação direta do mangá escrito por Masamune Shirow, utilizando cenas retiradas diretamente das páginas e um fio muito específico da trama,  "Innocence" é parcialmente inspirado nos capítulos do mangá explorando uma história totalmente original e com seus próprios temas expandidos.

Uma narrativa cyberpunk ainda mais densa

A ausência de Motoko Kusanagi é parte central na narrativa de "Innocence". Como no final do primeiro filme Motoko decide transcender sua forma física ao se fundir com o Mestre das Marionetes, tornando-se uma entidade livre no ciberespaço, a trama acaba colocando Batou como o protagonista. 

Esse fator insere o personagem em uma história ainda mais profunda enquanto precisa lidar com o vazio emocional causado pela partida de sua parceira ao mesmo tempo que busca respostas para questões que ainda não compreende.  

E embora a Major não seja mais uma personagem física, e presente durante a trama, ela chega a aparecer como uma figura essencial em um momento-chave. Durante o clímax, Motoko chega a intervir diretamente no mundo físico usando o corpo de uma das gynoids para ajudar Batou, reforçando sua nova existência como uma entidade além das limitações físicas.

Outra parte importante do longa, é a relação entre Batou e Togusa se tornando o centro da história, criando algo muito semelhante ao de Motoko e Batou no primeiro filme, mas aqui, com seus dramas alterados drasticamente, com dilemas e ideais distintos, ou seja, ambos são parceiros, mas muito diferentes um do outro.


Algumas dessas diferenças são extremamente visíveis já no começo do filme, sendo Togusa um humano com implantes mínimos, um contraste significativo a Batou, um ciborgue quase inteiramente artificial. Essa dinâmica é um dos aprofundamento no debate sobre humanidade e tecnologia.

Todos esses elementos ajudam na mostrar o universo de "Ghost in the Shell" como algo muito maior, mostrando mais dessa sociedade cyberpunk com seus cenários ainda mais densos e detalhados e com ambientes urbanos e tecnológicos mais proeminentes que refletem o impacto das decisões de cada personagem no caminhar da história. 

O ritmo de "Innocence" também é deliberadamente lento, com muitas cenas dedicadas à exploração visual e as reflexões filosóficas. Oshii emprega em sua continuação, composições simétricas em uma penca de cenas, reforçando a sensação de  artificialidade em seu mundo futurista com vários dos cenários e diversos momentos evocando pinturas clássicas e esculturas, o que ajuda ainda mais a adicionar as mais diversas camadas de interpretação visual.

O impacto da tecnologia na estética

Com um orçamento muito maior que seu predecessor, aproximadamente 20 milhões de dólares na época, "Innocence" acaba ganhando maior liberdade em seu visual, permitindo a criação de um estilo ainda mais detalhado e, principalmente, experimental. E também  responsável pela primeira animação, a Production I.G retorna para a produção da continuação elevando o conceito de animação em 2D (desenhada à mão) com modelagem 3D super detalhadas. 

Essa integração de técnicas resulta em um visual mais interessante, especialmente em cenas de ambientes urbanos e interiores luxuosos. O design de produção é ainda mais ornamentado e detalhado do que o primeiro filme, sendo cada quadro trabalhado como uma obra de arte, com cenários densamente texturizados e atmosferas sombrias.


Uma das cenas de maior destaque é a "Parade Scene", que mistura um CGI super complexo com elementos tradicionais de animação, criando uma sequência quase hipnótica enquanto o espectador acompanha um desfile robótico repleto de simbolismo.

Fechando os aspectos técnicos, a trilha sonora mantém o tom espiritual do primeiro filme, mas com uma escala ainda mais grandiosa e introspectiva criada por Kenji Kawai, que retorna como compositor. Enquanto utiliza mais uma vez uma mistura de tambores japoneses tradicionais e cantos vocais influenciados por músicas indianas e chinesas, a trilha também traz orquestras completas para criar faixas mais complexas e emocionalmente ressonantes.

Influência duradoura de Innocence

Durante sua exibição nos cinemas japoneses, “Ghost in the Shell - Innocence” recebeu ótimas críticas dentro de casa e, apesar de um desempenho modesto no ocidente, o longa acabou sendo muito bem reconhecido pelo seu visual e abordagem, consolidando a animação como uma das mais ambiciosas da época. 

Sua estética diferente e as reflexões profundas em seu roteiro também ajudaram a reforçar a identidade da franquia como um dos pilares do gênero cyberpunk e mesmo após sua passagem pelos cinemas, "Innocence" encontrou um público fiel principalmente no mercado de home video. 

Com diferentes edições em DVD e Blu-ray chegando ao mercado de todo o mundo, sempre com ótimas vendas, esse interesse contínuo contribuiu para manter a animação relevante até hoje, além de garantir sua posição como um clássico cult e uma referência obrigatória quando se fala em sci-fi e animação japonesa.


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