Ghost in the Shell (1995)

Por Felipe Leonel
Um marco no cinema de animação mundial e um dos longas mais reconhecidos entre estudiosos e apreciadores da nona arte, “Ghost in the Shell” (1995), dirigido por Mamoru Oshii, traz uma abordagem filosófica bastante centrada na ideia do pós humanismo e uma estética inovadora para sua sua época, bastante atual ainda hoje.
Uma das influências máximas na popularização do gênero cyberpunk na animação, o longa ajudou a consolidar a reputação dos animes nos mercados ocidentais de cinema e, junto a “Akira” (1989), criar uma onda de preferências por produções do tipo por todo o globo.
Essa influência também por ser vista em produções fora das animações, principalmente em filmes de grande orçamento feitos por Hollywood. entre eles, “The Matrix” (1999), que adotou várias de suas ideias conceituais, “Blade Runner 2049" (2017) explorando o visual neon e cyberpunk na estética e “Ex Machina” (2014) que trabalha com a ideia de inteligência artificial e sua busca por uma identidade verdadeira.
“Ghost in the Shell” é uma adaptação direta do mangá homônimo criado pelo artista Masamune Shirow, publicado em 1989. No longa, Oshii condensa em sua narrativa parte da trama do mangá a fim de criar uma obra mais acessível, mas que manteve os temas existenciais e tecnológicos. Além disso, a adaptação também deixa de lado os elementos de humor presentes nas páginas originais.
Kazunori Itō, bastante conhecido pelos roteiros de “Patlabor: The Movie” (1989) e “Patlabor: The Movie 2” (1993), travando ao lado Oshii (diretor) em ambas as produções, adaptou a história, destacando temas de identidade, tecnologia e a fusão entre humano e máquina. Ghost in the Shell também inova como um dos primeiros animes a usar composição digital junto a animação de maneira mais fluida criando cenários tridimensionais renderizados e sobrepostos à animação tradicional.

Trama e conceito
Em um futuro não muito distante, no ano de 2029, a humanidade vive totalmente integrada à tecnologia, com indivíduos utilizando implantes cibernéticos ou transferindo sua consciência para corpos artificiais, corpos esses conhecidos como "casulos" (“shells” no inglês), fazendo ligação ao título.
A protagonista, Major Motoko Kusanagi, é uma ciborgue de elite que trabalha para a Seção 9, uma unidade de segurança pública especializada em combate ao terrorismo cibernético. Motoko possui um "fantasma" (ghost), uma consciência humana, alojada em um corpo totalmente cibernético, o que a coloca em constante questionamento sobre sua própria humanidade e identidade.
A missão principal da Seção 9 é capturar o "Mestre dos Fantoches", um hacker extremamente habilidoso capaz de invadir a consciência de ciborgues e humanos conectados à rede, e manipular suas ações. Durante a investigação, Motoko e sua equipe descobrem que o antagonista não é um humano, mas uma inteligência artificial emergente criada acidentalmente pelo governo.
Buscando se fundir a Motoko, a inteligência acredita que essa fusão irá criar um novo tipo de ser, unindo a evolução biológica e a digital em uma única entidade. Ao longo de sua trama e com os desejos do antagonista como motivação, “Ghost in the Shell” aborda temas sobre identidade, autoconsciência e também a relação entre humanidade e tecnologia, mantendo um tom filosófico que permeia toda a narrativa.

O pós-humanismo em Ghost in the Shell
Um dos animes que mais explora os conceitos ligados ao pós-humanismo, “Ghost in the Shell” questiona de forma brilhante questões da natureza da identidade, da auto consciência e do que significa ser humano em um mundo onde a fusão entre homem e máquina se tornou praticamente irreversível.
Falando de forma bastante rasa, o pós-humanismo critica a visão tradicional do ser humano como algo fixo e absoluto, explorando como tecnologia, inteligência artificial e cibernética desafiam essa noção. No longa, esses elementos surgem de algumas maneiras.
Aqui, a protagonista tem um corpo completamente cibernético, restando apenas seu "fantasma” como lembrança de sua essência e consciência humanas levanta uma questão central do tema; se o corpo humano não é mais necessário, o que define a identidade?
Tratado como um certo pesar por Motoko durante a trama, a evolução da inteligência artificial conhecida como Mestre dos Fantoches e sua autoconsciência, decide reivindicar o direito de ser considerado um ser vivo, desafiando a ideia tradicional de que a consciência é exclusiva dos humanos.
E mesmo com os questionamentos da Major, No desfecho, conflitando se suas memórias são reais ou programadas, ela e Mestre dos Fantoches decidem fundir a fim de criar uma nova entidade que transcende a divisão entre homem e máquina, representando uma evolução da consciência não está mais limitada à biologia.
No geral, “Ghost in the Shell” trabalha muito bem e de forma profunda algumas das questões do pós-humanismo, já que desafia essa separação entre o orgânico e o artificial, propondo que a humanidade não é exatamente um estado fixo, mas algo mutável e em constante redefinição.

Mangá e filme, quais as diferenças?
Ainda que seja uma adaptação de "The Ghost in the Shell", lançado em 1989, a versão animada apresenta uma série de mudanças que vão desde a trama, o tom, a abordagem da narrativa e, principalmente, o desenvolvimento de personagens e dos temas.
O tom do mangá é bem mais variado, misturando ação com humor e alguns momentos filosóficos. As páginas incluem uma boa quantidade de alívios cômicos e interações mais leves entre os personagens, além de diversos elementos de erotismo mais explícito e situações cômicas.
No longa, esses elementos são colados totalmente de lado, apresentando seu tom muito mais sério e contemplativo, com foco quase exclusivo nos temas filosóficos e existenciais da protagonista e antagonista. E mesmo que mantenha uma parcela do erotismo, aqui isso é abordado em cenas que reforçam o debate sobre identidade da Motoko.
E por falar em Motoko, outro ponto muito diferente é a em como a protagonista é mostrada. No mangá ela é bem mais extrovertida, com senso de humor e uma personalidade mais expressiva, bastante confortável em seu papel como ciborgue. No longa, ela é muito mais introspectiva, melancólica, fria e reservada, frequentemente questionando sua humanidade e lugar no mundo refletindo o tom geral do anime.
Quanto a história, nas páginas existem várias histórias interconectadas, explorando missões diferentes da Seção 9 ao mesmo tempo que oferece uma visão mais detalhada do mundo cyberpunk, incluindo política, economia e conflitos globais.
Sendo que no filme, apenas uma pequena parcela da narrativa do mangá é mantida. No caso, apenas as cinco histórias que focam na perseguição ao Mestre dos Fantoches enquanto misturando outros poucos elementos secundários para manter a narrativa coesa e autocontida.
Por último, design e estilo visual, ainda que dentro da ideia cyberpunk como base, são trabalhos de maneiras distintas. O traço de Shirow apresenta ilustrações cheias de informações com um estilo artístico mais detalhado, com traços menos realistas. No filme, o estilo é mais realista, bastante detalhado, sim, mas com sua estética mais inspirada em diversas cidades por toda a Ásia, dando a produção um ar de decadência urbana.

Legado lucrativo
Lançado oficialmente em 18 de novembro de 1995 no Japão, chegando em terras nacionais apenas 19 de julho de 1996, “Ghost in the Shell” acabou tendo um desempenho modesto de bilheteria por todo o mundo, com arrecadações realmente muito boas apenas dentro de casa e também nos EUA. Ainda assim, o longa animado se tornou um grande sucesso no mercado de home video posteriormente, ajudando a consolidar a popularidade de animes no Ocidente e também aumentando o número dessas produções nas TVs e cinemas ao redor do mundo.
O filme também gerou uma série de outras produções de mesmo nome, como uma continuação direta do longa de 95, “Ghost in the Shell 2: Innocence” (2004), algumas séries de TV, como “Ghost in the Shell: Stand Alone Complex” (2002), “Ghost in the Shell: Arise” (2013), “Ghost in the Shell: Arise – Ghost is Alive” (2015) e “Ghost in the Shell: SAC_2045” (2020). Um filme em live action intitulado apenas como “Ghost in the Shell”, lançado em 2017 e estrelado por Scarlett Johansson também teve sua vez, assim como uma penca de videogames distribuídos entre 1997 e 2017.

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