Tim “Ripper” Owens – Da lenda cover ao titã independente do metal mundial

Texto por Felipe Leonel

Lançado há exatos 16 anos, “Play My Game” é primeiro álbum solo do vocalista Tim “Ripper” Owens. Com recepção morna dos fãs, mas com uma crítica bastante positiva, o disco mostrou para o público como o artista podia ser versátil em suas próprias composições e em como Owens poderia seguir seus próprios caminhos de forma original. 

Mas para chegar até “Play My Game”, Owens teve que percorrer um caminho gigante, cheio de percalços e com muitos altos e baixos de praticamente todas as bandas que fez parte. 

E como uma homenagem ao aniversário de seu disco solo, decidi mergulhar na trajetória e carreira do vocalista desde antes até depois do lançamento de seu trabalho solo, com foco nos discos das várias bandas em que teve participação e em como sua carreira foi e é uma das mais importantes no heavy metal mundial.

A ascensão de um fã aos palcos do underground

Timothy S. Owens nasceu e cresceu na cidade de Akron, Ohio (EUA), em uma família de classe trabalhadora e desde cedo mostrou grande paixão por música, principalmente por bandas como Judas Priest, Iron Maiden e Dio. Durante os anos 80 e 90, Owens trabalhou em empregos comuns, como vendedor e gerente de loja, enquanto mantinha sua paixão como membro de bandas locais.

Um de seus primeiros projetos como vocalista, foi na banda Brainicide, de thrash metal, formada na sua cidade natal. E mesmo com pouco tempo de existência, a banda chegou a gravar e lançar três demos, "Brainicide" (1988), "Dammage Daze" (1989) e "Brutal Mentality" (1989), as três pouco antes da separação. 

Além dela, Owens também chegou a cantar na Winter’s Bane (dessa vez uma banda de Heavy/Power metal), onde gravou o álbum “Heart of a Killer” (1993). Posteriormente, acabou ganhando certa fama na região por causa de sua banda tributo ao Judas Priest, a British Steel – embora as bandas fossem, na verdade, a mesma banda.

O grupo costumava abrir os shows como Winter’s Bane, para apresentar ao público seu material autoral e depois de encerrar esse primeiro set, faziam uma pausa e aproveitavam para uma troca de figurino, encarnando visualmente os integrantes do Judas Priest e voltando ao palco como British Steel.

British Steel e a virada do destino

Sua maior notoriedade veio como vocalista da banda cover British Steel com apresentações que chamavam a atenção pelo desempenho vocal surpreendente de Owens, que conseguia alcançar as notas altíssimas de Rob Halford com perfeição.

Após a saída de Halford do Judas, algumas das gravações dessas performances chegaram até a alguns integrantes da equipe do Priest em 1996, justamente quando a banda buscava um substituto para Halford.

Impressionados com a semelhança vocal e o alcance de Owens, a banda original decidiu marcar uma audição secreta em Londres. E foi nessa audição que Owens surpreendeu de verdade e fez seu talento valer todo o esforço de anos. Poucos meses depois, Owens foi oficialmente anunciado como o novo vocalista do Priest.

A era “Ripper” e a reinvenção do Priest

Com a entrada oficial de Owens na banda, uma reinvenção sonora começa a tomar conta das composições do Priest, muito para adequar a voz do novo membro as novas músicas, mas muito mais para sair da onda musical que tomava conta do cenário durante os anos 1990, principalmente do grunge, da ascensão do nu metal e do metal extremo.

A estreia de Ripper em estúdio foi com o álbum "Jugulator", lançado em 1997, um disco com sonoridade muito mais pesada que os anteriores, até mais que seu antecessor, "Painkiller" (1991) apostando em afinações mais graves, riffs modernos e uma abordagem quase thrash/death metal em alguns momentos.

 

Faixas como 'Jugulator', 'Blood Stained', 'Burn In Hell' e 'Cathedral Spires' mostravam um Judas Priest experimental e brutal recebendo uma recepção bastante mista com críticos elogiando o desempenho de Owens e o peso na sonoridade, mas com muitos fãs sentindo falta do estilo clássico da banda com Halford.

O álbum provou que a banda ainda tinha vitalidade e força criativa, e não somente em estúdio, mas também nos shows da turnê. Já no ano seguinte, é lançado o álbum "'98 Live Meltdown" (1998), mesclando um setlist tanto de clássicos quanto de faixas novas.

Mais diversificado que o anterior e abrindo portas pros gêneros em alta da época, "Demolition" (2001), segundo e último trabalho de estúdio com Owens na banda, mistura alguns dos estilos do momento, como industrial, metal alternativo e metal tradicional.

 

E mais uma vez, a crítica se mostrou bastante dividida. Enquanto alguns dos críticos chegaram a aplaudir a ousadia do grupo, outros viam o disco como um afastamento do DNA tradicional do Priest. Faixas como 'One on One', 'Feed on Me', 'Lost and Found' e 'Hell Is Home' são faixas que, claramente, buscam atrair um público mais jovem. 

E da mesma forma que o trabalho anterior, a turnê de "Demolition" foi bastante intensa, com registros de diversas das apresentações, uma delas lançada posteriormente como "Live in London" (2003), mostrando domínio total do palco e dos vocais, com um repertório que mistura faixas de todas as eras. Esse foi o último registro oficial de Owens com a banda.

E é em 2003, que a banda anuncia a saída de Owens do grupo e o retorno de Rob Halford ao Judas Priest. Internamente, a relação entre Owens e a banda sempre foi profissional, mas mesmo com seu ótimo trabalho e desempenho nos palcos, o vocalista ainda enfrentava a constante comparação com Rob Halford, especialmente entre os fãs mais conservadores.

Um épico histórico que ficou pela metade 

Após sua saída do Judas Priest, Tim Owens foi recrutado por Jon Schaffer, líder, guitarrista e principal compositor da banda norte-americana Iced Earth. Conhecida por suas composições épicas, letras históricas e arranjos pesados, com raízes no thrash e no heavy metal, com a entrada de Owens ao grupo um novo poder vocal foi adicionado a banda.

Primeiro álbum de Owens com o Iced Earth, "The Glorious Burden" (2004) já estava com suas gravações em andamento, na época, com o vocalista mais conhecido do grupo, Matt Barlow. Sua saída de seu logo após os atentados de 11 de setembro de 2001, alegando mudanças em sua visão de vida. Owens regravou todas as faixas com sua própria interpretação.

Primeiro capítulo de uma ambiciosa saga conceitual chamada "Something Wicked", e com uma pegada mais voltada ao power/thrash metal, "Framing Armageddon: Something Wicked Part 1" (2007) tem Owens mais presente também nas composições, além de ter feito parte de todo o processo de produção do álbum. Infelizmente, acabou sendo também o último como membro da banda. 

 

Mesmo com o sucesso dos dois álbuns, Owens foi demitido em 2007, quando Jon Schaffer anunciou o retorno de Matt Barlow. Isso causou controvérsia entre muitos os fãs, já que Owens já havia gravado demos para a segunda parte da saga “Something Wicked”.

Mesmo chateado com a forma que foi tratada sua saída, com Owens alegando ter descoberto da decisão pela internet e que esperava mais consideração por parte de Schaffer, o vocalista manteve o profissionalismo e seguiu sua carreira sem rancores públicos prolongados.

Controle criativo total muito além do medo

A fase Beyond Fear representa um momento muito marcante na carreira de Ripper. Tanto a banda quanto o único álbum lançado, foram a primeira grande investida do vocalista em um grupo totalmente autoral e sob seu controle criativo completo, tanto após a saída do Judas Priest quanto do Iced Earth. A proposta era fazer metal direto, pesado e sem amarras, com letras agressivas e vocais que exploram todo o alcance de Owens,

Com uma mescla de estilos que vão do heavy metal tradicional até o thrash e power metal moderno, o disco homônimo, “Beyond Fear”, foi lançado em 2006 trazendo John Comprix, do Law of Destruction, na guitarra e na fundação da banda. Entre as faixas de destaque estão ‘Scream Machine’, o hino do álbum, ‘Save Me’, ‘Coming At You’, thrash puro com vocal gutural e riffs cortantes, e ‘The Human Race’.

 

Apesar do bom começo, a banda nunca lançou um segundo álbum. O motivo principal foi a agenda lotada de Owens, que pouco tempo depois se envolveu com Yngwie Malmsteen, Charred Walls of the Damned, e diversos projetos paralelos. Owens chegou a declarar posteriormente que gostaria de reviver o Beyond Fear, mas nunca encontrou o tempo necessário para se dedicar ao projeto com a mesma intensidade. Ainda assim, pouco depois, o vocalista entraria em um de seus projetos mais exigentes.

Entre o talento e a prisão criativa

Entre os anos de 2008 e 2012, Owen passou em colaboração com Yngwie Malmsteen assumindo os vocais principais em dois álbuns oficiais de estúdio e em um lançamento ao vivo. Ainda que tenha durado quase 5 anos, a parceria foi bastante explosiva tanto no sentido técnico quanto emocional, com muita turbulência dos membros nos bastidores. 

Marcados novamente pela sonoridade neoclássica e agressiva de Malmsteen, além da forte presença de power metal, “Perpetual Flame” (2008) foi o primeiro álbum com Owens nos vocais, seguido por “Relentless” (2010) considerado mais pesado e sombrio, mas mantendo a pegada neoclássica, mas com uma abordagem mais "moderna" no instrumental.

 

Em ambos os discos, segundo entrevistas posteriores, Owens gravou todos os vocais com pouquíssima ou quase nenhuma liberdade criativa, seguindo exatamente o que Malmsteen mandava, até as inflexões eram ditadas.

Fechando sua participação nos trabalhos de Malmsteen, “Spellbound Live from Tampa” (2012), lançado como um bootleg oficial, apresenta a performance ao vivo com Owens com músicas dos dois álbuns tocadas ao lado de vários outros clássicos da carreira do guitarrista.

Após a saída, Owens falou abertamente sobre a dificuldade de trabalhar com Malmsteen, chamando o guitarrista de “alguém extremamente controlador”. O vocalista afirmou que não se sentia como parte da banda, e sim um "funcionário" seguindo ordens. 

Jogando o jogo com as próprias regras

Chamado de "Play My Game", o disco solo de Owens é uma peça-chave na discografia do vocalista. É com esse disco, sua estreia como artista solo, que Owens pode finalmente controlar todos os aspectos criativos de suas composições, desde os vocais até convidados e direção artística, com muitas dessas guardadas desde a época do Priest. A produção do álbum ficou a cargo de Chris Caffery, guitarrista do Savatage, e do próprio Owens.

Lançado em 15 de maio de 2009 na Europa e em 19 de maio do mesmo ano nos EUA, o disco apresenta uma mistura de várias de suas influências como fã até suas experiências com suas bandas predecessoras, indo do heavy metal tradicional até thrash/power metal.

Entre os convidados para as gravações estão Jeff Loomis (Nevermore), Doug Aldrich (Whitesnake, Dio), Michael Wilton (Queensrÿche), Rudy Sarzo (Ozzy Osbourne, Quiet Riot), Simon Wright (AC/DC, Dio), Billy Sheehan (Mr. Big, David Lee Roth) e Craig Goldy (Dio). A presença desses músicos trouxe variedade e densidade ao som do disco, mesmo com Owens sendo o principal compositor e vocalista em todas as faixas.

Diferente de seus trabalhos em bandas como Judas Priest e Iced Earth, onde os temas eram mais épicos, aqui Owens fala mais sobre si mesmo, com temas que vão desde superação, recomeço, reflexões sobre a própria identidade e também críticas à indústria musical da época. 

Novamente livre, extremo e totalmente autoral

Mesmo com um tempo significativo entre o primeiro e segundo discos solo, o EP "Return to Death Row", lançado em 2022, é um dos trabalhos mais marcantes da carreira de Owens. É um disco que representa um retorno agressivo, direto e bastante renovado à sonoridade mais extrema do heavy metal. Em “Return (...)”. o vocalista volta a mostrar maior liberdade nas composições e um tom descontraído em muitos momentos. 

Com produção de Jamey Jasta, vocalista do Hatebreed, o projeto com 6 faixas consegue brincar com outros estilos mais modernos sem perder o feeling e a pegada clássico de cantar de Owens, misturando elementos de thrash, groove metal e até death metal melódico que, além de seus conhecidos agudos, também mostra aqui um lado mais rasgado e gutural sem abandonar sua assinatura tradicional.

Entre as faixas de destaque estão ‘Die While We’re Alive’, a faixa-título ‘Return to Death Row’ e ‘Embattled’. E além de Jasta como produtor, o álbum também conta com as participações dos músicos Nick Bellmore (Toxic Holocaust, Kingdom of Sorrow) na bateria e Charlie Bellmore (Dee Snider) nas guitarras com Owens como letrista e vocalista principal. "Return to Death Row" é um caminho incrível para uma nova fase do artista, mais brutal, mais moderna e, melhor de tudo, autoral, com potencial para virar banda ou projeto fixo.

Retorno às origens, mas com força nova 

Uma das mais recentes, a fase KK’s Priest marca o reencontro oficial com um dos fundadores do Judas Priest, o guitarrista K.K. Downing, em uma banda que é ao mesmo tempo nova e também herdeira direta da tradição do heavy metal britânico clássico, principalmente do que o próprio Priest deixou como legado.

Fundada em 2020 por K.K., depois de anos de afastamento da cena musical e frustrado com sua saída do Judas Priest em 2011, o guitarrista decidiu trazer a luz do dia velhas composições que estavam engavetadas saindo da aposentadoria para manter viva a chama do heavy metal clássico com identidade própria, mas celebrando a sonoridade que ele e Owens ajudaram a construir no Priest anos antes.

Como parte desse retorno, é lançado em 2021 o primeiro disco do grupo, intitulado "Sermons of the Sinner”.  O álbum apresenta letras que falam de retorno, redenção, resistência, assim como os tradicionais riffs com assinatura Downing, assim como solos longos e bastante afiados. E seguindo na esteira de novos lançamentos, "The Sinner Rides Again" é lançado em 2023, dessa vez um pouco mais coeso e maduro que o álbum anterior e também apresentando uma produção mais polida. 

 

Desde sua criação, o KK’s Priest vem representando muito bem a cena metal pelo mundo, assim como um ótimo retorno bastante legítimo às raízes do heavy metal britânico, mas com liberdade criativa para Owens dando a chance de trabalhar novamente com um  parceiro das antigas e não apenas como um músico contratado.

Seguindo em frente na melhor forma

Owens tem se envolvido fortemente em turnês, seja com o KK’s Priest ou solo, onde costuma tocar músicas de todas as fases de sua carreira, assim como covers das bandas que mais gosta e que ajudaram a construir sua identidade musical de fã, como Black Sabbath, Iron Maiden, Fleetwood Mac e várias outras.

E além de seu trabalho ao lado de KK, Owens também se envolveu e tem se envolvido ocasionalmente com diversos outros músicos em  colaborações, participações especiais, bandas paralelas e até mesmo tributos. Entre eles estão três discos lançados ao lado de Richard Christy, ex-baterista do Death, chamado "Charred Walls of the Damned" (2009–2016), a banda tributo HAIL!, tocando com nomes como Phil Demmel, Andreas Kisser, Paul Gray, Mike Portnoy, Glen Drover, David Ellefson e muitos outros. 

Outro projeto tributo do vocalista, dessa vez em homenagem a DIO, é o grupo Dio Disciples/Dio Returns que vem desde 2011 tocando por todo o mundo. Nele, Owens alterna os vocais com outros cantores tão importantes quanto ele mesmo, como Oni Logan e Bjorn Englen. 

Também tocando ao lado de outros dois vocalistas de alto nível, Harry “The Tyrant” Conklin (Jag Panzer) e Sean Peck (Cage), a banda The Three Tremors traz uma homenagem exagerada e escancarada ao power/heavy metal raiz fazendo um trocadilho com o nome The Three Tenors (Os Três Tenores), grupo formado pelos cantores de ópera Plácido Domingo, José Carreras e Luciano Pavarotti.

Além tudo isso e mais um pouco, Owens tem feito uma série de diferentes participações em álbuns de várias outras bandas dos estilos mais variados, cantando, entre os mais famosos, no “The Metal Opera Part II” (2002), do Avantasia e “There Will Be Execution” (2003), do Sinner, além de participações em discos do Neonfly, Empires of Eden, Michael Vescera Project, Savage Messiah e como convidado em mais de 30 discos de bandas espalhadas pela Europa e América Latina.




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