Os Filhos de El Topo (2016/2022)

Por Felipe Leonel

Não satisfeito somente com sua obra “El Topo” (1970), conceituada e de grande destaque para o chileno como diretor de cinema, Alejandro Jodorowsky decidiu investir anos de sua vida em uma continuação para a telonas de seu faroeste surrealista, tudo isso com o maior esforço e empenho próprio, mas com pouco investimento ou interesse dos grandes estúdios. 

E mesmo tendo sido um dos filmes de maior impacto cultural em sua época ganhando status de cult ao longo dos anos entre os cinéfilos de todo o mundo, não é difícil de imaginar o porquê dessa falta de interesse da galera com grana em querer bancar uma continuação. 

Jodorowsky é até hoje considerado um dos artistas mais caprichosos e excêntricos do cinema. Escritor e poeta, o diretor sempre gostou de experimentar e brincar com os mais diversos temas, entre eles misturas de elementos religiosos, filosóficos e esotéricos, todos eles encontrados tanto em "El Topo" quanto em todas as suas outras produções, seja para as telonas ou mesmo para os quadrinhos.

Com o tempo, “Os Filhos de El Topo” (Los Hijos del Topo) acabou sendo reformulado e modificado para caber em um formato diferente e muito mais em conta pra quem que bancasse a obra, sendo lançado mais de 40 anos depois de sua concepção como uma série em quadrinhos em colaboração com o artista mexicano José Ladrönn

O legado de El Topo

Na história somos reapresentados aos filhos do ex-pistoleiro, e agora santo, El Topo, que aqui finalmente ganham nomes próprios, Cain e Abel. Após os eventos de filme, Cain cresce carregado de ressentimento e rancor pelo o pai, que o abandonou na infância, se tornando um homem amargo e impiedoso, mas sua vida muda quando descobre a que seu irmão mais novo, Abel, foi criado como sucessor da filosofia espiritual criada em torno de seu pai e de forma amorosa pela mãe. Movido pelo ódio e pela ideia de vingar-se de El Topo, Cain embarca em uma jornada para encontrar e matar o próprio irmão.

Com diferenças significativas entre os irmãos, a história retrata Abel quase como uma figura messiânica, compassivo e conectado com os ensinamentos espirituais de El Topo, e Cain marcado pelo abandono e pela violência. A relação entre os irmãos rapidamente se torna o centro do conflito da narrativa, com a tensão entre o amor fraterno e a violência herdada do pai.

A tensão cresce à medida que os caminhos dos irmãos se cruzam em um mundo desértico e surreal, repleto de perigos e figuras enigmáticas. Ao longo da jornada, ambos enfrentam desafios que testam as convicções de cada um deles, revelando mais sobre suas motivações reais, assim como a complexidade que gira em torno de suas relações verdadeiras com o pai.

Temas centrais

A influência de El Topo nesse mundo é tão grande quanto a apresentada na vida de seus dois filhos. Nesse novo cenário desértico, o apocalipse nuclear acontece tornando a paisagem ainda mais árida e desolada,  exceto por uma pequena ilha paradisíaca onde El Topo está enterrado. E é nessa ilha onde seus seguidores se reúnem e oram para o santo pistoleiro e onde todas as tentativas de entrar nela acabam resultando somente em desastre. 

E também nesse cenário que Jodorowsky retrata toda a sua crítica à religião e elabora seus conceitos filosóficos trazendo reflexões sobre sistemas de crenças, instituições religiosas e moralidade colocando os filhos do protagonista também como representantes de diferentes facetas de uma busca espiritual e emocional.

Outro ponto abordado na trama é a jornada de redenção ao qual os personagens são colocados. Assim como no filme, aqui cada um dos irmãos luta contra suas falhas tentando buscar uma forma de superar o passado e de viver o futuro da melhor maneira mostrando como extremos podem coexistir na jornada humana. 

O desfecho de “Filhos de El Topo” reflete a visão característica de Jodorowsky. Em uma fusão de violência, redenção e transcendência espiritual, a mensagem final é sobre como os indivíduos podem quebrar o ciclo de destruição herdado e encontrar uma paz que transcende seus destinos trágicos.

E tudo isso, claro, com a estética visual deslumbrante de José Ladrönn, trazendo uma arte detalhada, surreal e que é capaz de refletir a complexidade do universo criado por Jodorowsky.


 
Alejandro Jodorowsky e José Ladrönn

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