Explorando o looping do Fizzle Bomber e do Bureau Temporal em “O Predestinado”

ATENÇÃO: Contém Spoilers

Por Felipe Leonel

Ainda que a figura do personagem Fizzle Bomber exista de fato no conto “All You Zombies –”, sua presença efetivamente na trama é relegada apenas a algumas citações sobre suas ações e em como seu papel na história do protagonista é importante. Claro, sua relevância é explorada e colocada como parte essencial na construção do conto, mas sem grandes detalhes que realmente explicam o que e quem ele é. 

Já no filme de 2014, “Predestination”, adaptação do conto, a persona do Fizzle Bomber se faz presente não somente na trama, mas também cria uma ligação direta com os acontecimentos do filme tendo a presença física do personagem em três momentos extremamente importantes. E essa presença, assim como tudo o que ele faz, é uma das discussões mais interessantes desse filme. 

O papel do Fizzle Bomber na jornada de John

Bom, entrando de cabeça na zona de spoilers e indo direto pros acontecimentos relacionados ao Fizzle Bomber, fica claro no final do filme que a primeira missão de John (logo após ter ingressado efetivamente no bureau temporal) é o momento em 1970 onde seu rosto é queimado, sendo essa a bomba que foi  impedida de explodir e destruir o prédio ao qual tinha como alvo do terrorista e, assim, ferindo apenas a John.

Posteriormente, também fica claro que essa mesma versão de John, já com seu novo rosto, é capaz impedir a explosão de 1975 quando ele mesmo consegue matar o Fizzle Bomber em uma lavanderia – que ele agora percebe ser seu eu mais velho – e assim impedir mais uma vez que a maior bomba a qual o terrorista planejava de detonar.

Isso significa que, a primeira missão de John era impedir uma das bombas do Fizzle Bomber e sua missão final (fora dos registros do bureau) era impedir uma outra bomba ainda mais poderosa de explodir. Em ambas as missões, as ações são bem-sucedidas sendo a primeira missão sua mudança de rosto e sua última o primeiro passo no caminho de se tornar ele mesmo o próprio Fizzle Bomber. 

As fotos, as bombas e o paradoxo temporal

Durante todo o seu período como agente temporal, John passa toda a sua carreira na agência desativando as bombas do terrorista, mas nunca o prendendo efetivamente e, mesmo assim, só consegue ver suas missões como fracassos, deixando um certo ar de decepção sobre seu próprio trabalho. 

E ainda que todos esses elementos sejam apresentados apenas de forma implícita durante a trama, é possível perceber com alguma clareza que a agência conhece a hora e o local exatos de cada detonação e pode enviar um agente naquele exato momento, até mesmo com a antecedência necessária, para desarmar o detonador e evitar uma tragédia maior. Mas, mesmo assim, apenas John é enviado para essas missões em especial.

Além disso, a pasta de fotos que o Fizzle Bomber mostra para o John recém-aposentado, que está sob a mira de sua arma, não tem uma origem ou mesmo um fim, é um loop infinito de fotos e acontecimentos incertos, assim como John. Após matar a sua versão já velha, John passa a ter uma pasta para si e a carrega consigo durante seus esforços para plantar bombas até o momento que se encontra velho, louco e na mesma lavanderia onde originalmente será morto e onde tudo recomeça.

Olhando de forma mais profunda, todas as matérias apresentadas na pasta não vieram de algum futuro alternativo em que o Fizzle Bomber realmente visitou, mas sim de um looping ao qual ele mesmo está inserido. Parte dessa teoria pode ser percebida no diálogo entre os dois personagens enquanto ainda estão na lavanderia – "Olha, essas são notícias de futuros alternativos" – mas o fato é que o terrorista jamais visitou esses futuros alternativos de fato. John foi alimentado com notícias falsas de desastres futuros provocados pelo Fizzle Bomber e usou isso como seu motivo para se tornar o próprio terrorista.

Dando ainda mais credibilidade ao fato da pasta ser uma total fabricação dessas realidades alternativas falsas, é o momento em que o Fizzle Bomber (na lavanderia) aponta para um recorte de jornal de um desastre que ele "impediu de acontecer" em Hamburgo, Alemanha, no ano de 1991. Isso implica aqui que esse é um recorte do que seria o desastre original naquele ano, se não fosse pelo fato de que ele mesmo havia plantado uma bomba para impedi-lo.

Ainda assim, o mesmo recorte é mostrado na parede do quarto de John no bureau no início do filme quando, já com seu rosto mutilado e enfaixado, o recorte data de 1960 sendo que o local também muda, Sandusky, Ohio (é importante entender que conceito inteiro de linhas do tempo alternativas é algo impossível aqui, já que o cenário apresentado não permite tratamento da causalidade temporal).

A linha do tempo predestinada e suas implicações

O impacto efetivo desses acontecimentos temporais envolvendo a vida de John/Jane e de todas as suas versões ao longo da história está intrinsecamente ligado à existência do bureau que o alimentava com essas notícias falsas para que ele mesmo se tornasse um agente especialista em desarmar bombas.

Então qual é o sentido disso tudo? Bom, não existem linhas temporais alternativas de onde os desastres estão ocorrendo, onde as bombas realmente explodiram, isso faz do trabalho do Fizzle Bomber algo sem sentido, já que ele mesmo as desativa todas. A resposta aqui para essa questão, é  a regressão infinita autorreferencial do progranista totalmente ligada à regressão da existência da própria  agência, já que a perseguição ao terrorista só tem real propósito quando vemos que o bureau só existe por causa dele. Um não pode existir sem o outro e por isso todos os esforços em sempre manter a linha do tempo de John/Jane intacta.

Ou seja, todas as matérias, fotos e informações acerca do Fizzle Bomber e de como impedir que seus planos sejam executados, ao menos alguns deles e de forma muito pontual, são forjados e deixados propositadamente nas mãos de John pela própria agência. Todos esses fatores criam uma conexão sempre com o propósito de perseguir o terrorista através do tempo, ao mesmo tempo em que ele mesmo jamais existiria sem bureau.

E como toda a trama do filme se baseia em uma linha temporal de Predestinação absoluta – onde algo só pode existir quando um outro algo existe, sendo cada um uma criação conjunta de esforços mútuos – nada jamais pode acontecer, exceto o que sempre aconteceu. Ou seja, nesse contexto, não podem existir linhas do tempo alternativas se não uma única linha em looping.


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