Hellboy e o Homem Torto (2024)

Por Felipe Leonel

Depois de quatro filmes dirigidos por três diretores e protagonizados por três atores diferentes, Hellboy no cinema se tornou uma franquia inconstante e com seus altos e baixos. Em geral, dá pra dizer que o personagem tem mais altos na prateleira, já que os dois longas capitaneados por Guillermo del Toro e estrelado por Ron Perlman – o homônimo de 2004 e “O Exército Dourado” de 2008 – são duas pérolas muito bem escritas e dirigidas. 

Depois deles vem o ponto mais baixo. Também chamado apenas de “Hellboy” e lançado em 2019, o longa protagonizado por David Harbour e dirigido por Neil Marshall, tem diversos problemas de roteiro e uma direção confusa em muitos momentos. Dá pra perceber ali um dedo enorme do estúdio também, principalmente na trama e no corte final. A pressa de lançar o filme também deu uma prejudicada em alguns dos efeitos especiais, mas nada que comprometesse o que já tava comprometido. 

Já em 2024 veio a surpresa. Anunciado um ano antes e cheio de mistérios, “Hellboy e o Homem Torto” (Hellboy: The Crooked Man) ficou tempos só com a revelação de quem iria protagonizar e quem iria dirigir. Dessa vez o cargo de comando ficou com Brian Taylor, conhecido por dirigir filmes como “Adrenalina” 1 e 2, “Motoqueiro Fantasma: Espírito de Vingança” e por ter roteirizado "Jonah Hex - Caçador de Recompensas" – difícil dar crédito pro filme com uma biografia assim – e por baixo da maquiagem de demônio o ator Jack Kesy, mais conhecido por sua ponta como Black Tom em "Deadpool 2" (2018). 

Depois de alguns meses e muita especulação, a divulgação de que o roteiro tinha mão do criador do personagem, Mike Mignola, junto com Christopher Golden e próprio diretor, e adaptando uma história escrita por Mignola nos quadrinhos, deu uma certa animada, mas sem nenhuma imagem de divulgação, teaser ou mesmo fotos vazadas dos sets, a galera meio que deixou de lado e acabou não se empolgando como poderia. 

Faltando menos de três meses pro lançamento de "Hellboy e o Homem Torto", o longa finalmente começou a ganhar suas fotos oficiais e alguns trailers lançados por todo o mundo. O baixo orçamento, as diferenças significativas em relação aos outros filmes e a recepção terrível que a versão de 2019 teve não animaram tanto e o filme acabou tendo uma baixa expectativa logo de cara. A falta de investimento em divulgação também não ajudou em nada, fazendo com que muita gente nem mesmo tivesse ideia de que havia um novo filme do personagem saindo do forno. 

Bom, apesar de todas as estranhezas e negativas de muitos fãs, o filme foi efetivamente lançado e, com estreia adiantada em duas semanas aqui no Brasil antes de todo o resto do mundo, "Hellboy e o Homem Torto" chega às telonas. E sejamos justos, não é uma tarefa fácil dar continuidade a uma interpretação seminal e icônica de um personagem como o que foi feito por del Toro, mas também não foi uma tarefa lá muito complicada ser melhor que a versão de Marshall.

Fugindo dos tempos atuais e pegando a vibe retrô de sua contraparte dos quadrinhos, a trama de o Homem Torto transporta seus espectadores para os anos 1950, onde, logo no início, Hellboy e sua co-agente Bobbie Jo Song (interpretada por Adeline Rudolph e uma personagem criada para o filme) estão ao fim de uma missão voltando para casa em um trem que atravessa as áreas montanhosas dos Apalaches enquanto carregam uma estranha criatura. 

Não demora muito para as coisas saírem de controle, e uma sequência cheia de ação envolvendo uma perseguição na floresta e um monstro-aranha que alterna entre gigante e minúsculo, nos introduz ao estilo lacônico e sombrio nesse novo mundo de Hellboy. Aqui já da pra perceber um pouco do humor e do dinamismo que a trama vai entregar e já dá a impressão geral de que essa será uma história mais contida em comparação com suas outras versões.

Enquanto tentam encontrar o caminho de volta para casa, a dupla acaba cruzando com uma figura demoníaca, o tal do Homem Torto (Martin Bassindale) do título, responsável pelos diversos problemas envolvendo algumas bruxas da região, sendo que o antagonista aqui também possui uma conexão misteriosa com o passado do garoto do inferno.

Ao contrário dos quadrinhos, em que o personagem não é parte essencial da trama e que está por acaso oferecendo ajuda necessária, no longa Hellboy é o grande destaque. É dele onde surge, praticamente, toda a intercessão entre os principais acontecimentos da história. Ainda que não seja ele o ponto de partida para que tudo aconteça, é um ponto forte no roteiro. 

Outro detalhe do tamanho de um elefante e que surgiu como um alívio, foram os efeitos de maquiagem, de longe muito melhores do que os primeiros materiais promocionais que apareçam pela internet e, mesmo com certas falhas pontuais (da pra ver a dobra da prótese no pescoço do ator), Kesy também consegue entregar uma boa interpretação do personagem trazendo mais de sua personalidade original nascida nas páginas, mais sisudo, direto no assunto, humor ácido e com bastante determinação. Ponto de destaque que mostra que Mignola teve uma influência muito maior na produção dessa vez.

E não da pra deixar de fora os papéis coadjuvantes, como o veterano de guerra assombrado pelo seu passado, Tom Ferrell (Jefferson White), sua ex-amante transformada em bruxa, Effie Kolb (Leah McNamara), e o padre cego Reverendo Watts (Joseph Marcell) trazendo suas histórias de fundo de forma genuinamente interessantes, enriquecidas e bem atuadas. 

O orçamento mais apertado, cerca 20 milhões de dólares, e o tempo de duração do filme, com 1 hora e 30 minutos, ajudam a manter a trama sem muitas distrações seguindo os personagens sempre direto ao ponto. Fazer com toda a história seja totalmente focada em algo bem mais pé no chão (dada a suas devidas proporções) cria um ambiente propício pro tom de terror abordado, o que ajuda muito trazendo a ideia original do personagem vinda lá dos quadrinhos, fugindo daqueles designs de monstros colossais e de uma mitologia insana.

Claro, a intenção de apresentar um interesse amoroso entre Hellboy e sua parceira, ou mesmo o ritmo entediante em um pá de cenas e até a fotografia meio opaca e sem vida que tira boa parte do vermelho intenso da pele do protagonista, são pontos fracos do filme, fazendo alguns dos momentos mais interessantes, e que poderiam ser impactantes, nada atrativos. Alguns exageros nas cenas de lutas contra os mortos-vivos também não ajudam, com cortes excessivos dando impressão de que a direção queria esconder algo. 

No frigir dos ovos, o que se tem em “Hellboy e o Homem Torto” é um bom filme de terror com aquela pegada assustadora e uma obra bastante honesta. Se tiver afim de curtir e se envolver em uma história de época assombrosa e estilosa sobre magia negra, muito folclore bizarro sobre bruxaria e monstros improváveis, provavelmente você vai encontrar nesse longa uma boa pedida pra matar algumas horas durante a tarde. Em suma, o filme tá longe de ser perfeito, mas vale a pena conferir.

A ideia  não é minha, mas os streamings por aí tão perdendo muito a chance de fazer uma boa série do personagem onde cada episódio poderia abordar tanto uma faceta diferente da personalidade do Hellboy quanto suas várias histórias contidas em uma penca de volumes dos quadrinhos.


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