ABARA (Mangá_2009)
Por Felipe Leonel
Tá, acho que vale a pena começar explicando o motivo desse texto. Lá pelos idos de 2009, eu tava caçando por novas leituras relacionadas a quadrinhos. Fosse qual a origem do quadrinho, com uma temática interessantes e um preço acessível pro meu bolso, eu estava abraçando de bom grado. Nessas de saber o que tinha disponível, encontrei as duas edições de “Abara” na prateleira da revistaria de um amigo, comprei.
Olhando praquele material, tudo me chamava atenção, a capa era instigante, a arte era linda e eu ainda dava conta do preço de ambas as edições. Só teve um problema, que nem tão problema assim, depois da leitura do mangá eu fiquei boiando total e sem a mínima ideia do que eu tinha acabado de ler. Sério, e foram pelo menos umas três leituras seguidas, já que nada daquilo fazia muito sentido.
Anos depois e com muito mais experiência, decidi reler e ver que tipo de análise saía dessa vez. Bom, pra ser sincero, não saiu nenhuma de novo, eu ainda não tinha entendido o que a obra queria dizer.
Mais alguns anos se passaram e, limpando a estante de quadrinhos encontrei as duas revistas escondidas no meio de um monte de outras, li novamente. Adiantando, continuo sem muito entendimento, mas agora consegui extrair algumas coisas dessa terceira leitura e decidi escrever sobre elas como forma de deixar que isso tudo perdure online pra quando eu mesmo não lembrar mais.
Falando sobre a trama
Logo de cara dá pra dizer que a trama em si não tem nada de complicado, nada absurdamente difícil de se compreender como “história de monstros”. O que realmente traz certa confusão nesse material é, basicamente, os pontos abordados nas entrelinhas da trama, no que os diversos elementos apresentados realmente querem dizer.
“Abara” (アバラ), é um mangá escrito e ilustrado por Tsutomu Nihei, mesmo criador de “Blame!” e “Knights of Sidonia”. Em sua terra natal, foi lançado na revista Shueisha's Ultra Jump Seinen entre 2005 e 2006 e no Brasil em 2009 pelo selo Planet Mangá, da Panini Comics, licenciado diretamente pela libertação do material francês publicado pela Editora Glénat, da França.
Aqui já vale uma explicação do nome da obra. “Abara” significa "costela" na língua japonesa e, de certa forma, tem muita ligação com os elementos visuais do mangá. Quanto a trama em si, o mangá se passa em um mundo distópico, onde alguns humanos podem se transformar em criaturas chamadas "Gaunas", que tem a habilidade de gerar estruturas ósseas a partir de seus corpos, formando armaduras ou armas, estruturas essas liberadas pela coluna e que se fecham ao redor do corpo como costelas gerando esses exoesqueletos.
A história acompanha Kudou Denji (ou Itou Denji como um nome falso no início), um homem capaz de se transformar em uma dessas criaturas, mas que tenta controlar e compreender seus poderes nesse mundo caótico e hostil. O grande detalhe aqui é que os humanos comuns se tornam Gaunas Brancos apresentam comportamentos bestiais e incompreensíveis enquanto Denji se torna um Gauna Negro, com certo controle de suas ações e parte de sua humanidade.
Simples e bem fácil de entender. Bom, a trama em si sim, mas o desenvolvimento é que complica. A história é contada por uma narrativa extremamente fragmentada que acompanha uma série de personagens que, quando são apresentados são mortos logo em seguida ou mesmo nem apresentados e mortos logo em seguida. Além disso, grande parte das motivações são bastante vagas, servindo apenas como fio condutor para uma nova ameaça e uma nova série de páginas de pancadaria desenfreada (sim, essa parte é muito boa).
Como certa compensação a narrativa fora da caixinha, o mangá oferece um visual bastante denso onde o foco é em ambientes industriais e em uma arquitetura massiva, tudo desenhado de maneira incrível. A arte é detalhada e intrincada, enfatizando o contraste entre a fragilidade humana e o poder destrutivo dos Gaunas. Olhando somente pela arte, é possível ver muito bem que o autor sabe explorar a ideia de solidão, destruição e tecnologia, elementos fortemente influenciados por temas de ficção científica e cyberpunk.
Os temas de Abara
Falar da trama em si não faz muito sentido, já que a história é quase episódica, ao mesmo tempo ligação uma com a outra criando uma coisa única. Vale deixar pra experiência de leitura mesmo.
O que é interessante de se abordar aqui são os temas apresentados no mangá e em como são sugeridos ao longo da narrativa. Por exemplo, a dualidade é um tema que toma conta na história, mais precisamente nas ações do personagem principal e em como Denji consegue travar uma luta interna entre o humano e o bestial, na sua identidade, tanto física quanto psicológica.
Dá pra dizer, seguindo essa lógica, que a luta de Denji contra sua própria transformação é, de certa forma, uma metáfora para a batalha entre o humano e o inumano dentro de cada um. Ou seja, enquanto explora o medo de perder a própria essência e se tornar algo que não se reconhece mais.
Outro ponto interessante, é em como o conflito gera um sacrifício inevitável. Ao longo da trama, Denji se vê forçado a lutar contra outros Gaunas, seres que já foram humanos como ele, para proteger o que resta de seu mundo. Nesse caso, a narrativa é implacável em mostrar que, nesse mundo distorcido, a sobrevivência tem um custo muito alto.
Isso tudo leva a discussões bastante existencialistas, questionando o propósito da existência em um mundo onde a vida humana é frágil e constantemente ameaçada. Dá também pra olhar a transformação em Gauna como uma alegoria para a inevitabilidade da mudança e da morte, aqui, mostrada de maneira ultra violenta onde o poder de um Gauna é o corruptor e o salvador, em suma, simultaneamente uma bênção e uma maldição.
Abara como escopo para o pensamento
“Abara” é bastante elogiado por sua arte e atmosfera, mas, mesmo com sua narrativa difícil de se seguir, devido à sua complexidade e à falta de explicações claras, consegue ser, uma obra densa, cheia de simbolismo e que serve como um meio de explorar temas mais profundos sobre a natureza humana e as forças que a ameaçam.
Claro, esses elementos fazem com que o mangá seja mais apreciado por aqueles que gostam de decifrar significados e interpretar elementos visuais mais profundos. No caso, se você gosta de obras que te desafiam na compreensão e possuem uma estética única, “Abara” pode ser a sua leitura ideal.
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