Um Olhar Mais Profundo Sobre "The X Factor" (1995)

Por Felipe Leonel

Voltando a falar um pouco mais sobre os fatídicos anos 1990, vale a pena comentar sobre algumas das mudanças ocorridas no cenário rock/metal daquele momento e quais foram as consequências dessas mudanças. 

Fusão de estilos e experimentação foram parte motora desse período onde muitas bandas passaram a explorar uma leva de diferentes melodias em suas músicas, enquanto misturava gêneros com uma gama de elementos do próprio rock e metal junto ao eletrônico e hip-hop. 


Essa tendência de experimentação veio bem mais para o final da década, claro, já que o seu início foi o mais sofrido, principalmente, pras bandas de metal onde o que imperava de verdade era o grunge e o alternativo. Ou seja, um verdadeiro pesadelo pras bandas da velha guarda.


Agora sim, falando especificamente de uma dessas bandas, o Iron Maiden foi um daqueles que mais arrebataram a indústria do rock/metal lá nos anos 1980. Era um som pesado, rápido, inteligente, quase um refresco pra quem estava de saco cheio daquele hard rock setentista "meio água com açúcar". 


Mas o tempo passou e, assim como já havia acontecido antes com uma série de outras bandas, a galera do Maiden se tornou obsoleta e sua música não mais acompanhava os ideais, os pensamentos e as angústias dos jovens noventistas. 


Depois do sucesso arrebatador do álbum "Fear of the Dark" (1992), a banda entrou em uma turnê bastante conturbada, repleta de brigas, egos a mil e confrontos diretos entre o baixista, Steve Harris, e o vocalista, Bruce Dickinson, que sonhava em botar em prática sua carreira solo de forma mais intensa. 


E foi o que aconteceu. Bruce sai da banda ainda em 1993 e o time de senhores do metal fica desfalcado e sem muito pra onde ir. A solução? Colocar outra pessoa no lugar. Mas é aí que veio a dúvida de fato, quem colocar no lugar de Bruce Dickinson? Quem poderia substituir uma das maiores vozes do metal? Mais ainda. Quem poderia ser a pessoa certa para o Iron Maiden?


Bom, entre testes e mais testes e alguns anos de pausa, finalmente um vocalista a altura é escolhido, e o nome era Blaze Bayley. Na época, pouco conhecido e egresso de uma banda de heavy metal underground britânico, a Wolfsbane, Blaze foi responsável pela maior mudança na banda até então, que ia desde o som dos caras até a dinâmica entre o grupo. 


Uma das soluções tomadas para lidar com essa transição e, principalmente, com o timbre bem mais grave e médio/baixo de Blaze, a banda acabou adotando um tom bem mais sombrio nas composições. Claro, problemas pessoais de Harris naquele momento, como seu divórcio, também representaram boa parcela dessa mudança. 


Como resultado, as composições acabaram apresentando letras mais introspectivas, riffs mais lentos, timbres mais pesados e, consequentemente, uma atmosfera bem mais sombria do que aquela apresentada nos materiais anteriores. Tudo isso indo contra a onda do rock mais moderno e somado a uma estranheza do público ao heavy metal da velha guarda e a preferência dessa galera pelo som atual.

Falando sobre The X Factor

Décimo álbum de estúdio do Iron Maiden, "The X Factor" foi lançado em 2 de outubro de 1995 pelo selo EMI Records pelo mundo e pelo selo CMC International na América do Norte. Sua produção foi feita em parceria com Steve Harris e Nigel Green a frente da função. 


Muito além do que apenas músicas sombrias, a troca de membros também foi um fator que acabou tendo bastante reflexo visualmente no álbum. No caso, na capa do disco, criada por Hugh Syme, que mostra de maneira bastante gráfica e violenta o mascote da banda, Eddie, sendo vivisseccionado e passando por uma lobotomia feita por uma máquina.


Outra das mudanças visuais influenciadas pela mudança foi a logo do grupo, ao qual passou a usar uma variante da clássica logotipo que removia as extremidades alongadas das letras "R", "M" e de ambos os "N's". Já o título surgiu ainda no início das gravações e tem como base o sentimento da banda em relação a mudança de um dos membros e o envolvimento direto de Blaze nas composições. 




Outro fator incomum para a banda durante a produção do álbum foram as várias composições que acabaram não entrando no disco. Diferente dos compactos anteriores, onde as músicas eram compostas quase que por número exato de demanda, aqui foram feitas 14 músicas, das quais apenas 11 foram, de fato, incluídas no álbum. 


As três canções que ficaram de fora, ‘I Live My Way’, ‘Justice of The Peace’ e ‘Judgement Day’, acabaram saindo apenas como B-sides das músicas de trabalho do álbum, ou seja, junto aos singles. As duas últimas acabaram saindo, posteriormente, na compilação “Best of the 'B' Sides”, lançada em 2002.


Em relação a sonoridade das músicas, além do óbvio tom obscuro dado durante as composições, outro detalhe bastante evidente é a falta de harmonias vocais e de guitarras tão presentes nos discos anteriores, além dos aspectos mais significativos do álbum. Ainda assim, as canções apresentam uma série de diferentes camadas e uma textura musical distintiva que ajuda a enriquecer cada uma delas. 


Entre outros fatores de destaque, a exceção das músicas "Judgement Of Heaven" e um breve momento em "The Edge Of Darkness", é possível reconhecer alguns elementos tão familiares aos ouvidos dos fãs do Iron Maiden, como as harmonias de guitarra bastante características da banda, mas são casos isolados dentro do álbum. 


Detalhes das músicas


Indo para o lado contrário de seu predecessor, "The X Factor" segue uma caminho mais lento e que dá espaço pros crescendos sem se apressar em nada até seu clímax. Isso se reflete logo de cara na primeira música, 'Sign of the Cross'. Baseada no romance "O Nome da Rosa", de Umberto Eco, a faixa é bastante épica e já estabelece o clima sombrio e introspectivo que vai dar o tom daqui pra frente.


Já 'Lord of the Flies' é marcada principalmente por riffs pesados e uma melodia memorável e melancólica, além de um pouco mais apressada quando comparada com a faixa anterior. Sua letra é baseada no romance homônimo de William Golding. 'Man on the Edge', primeiro single do álbum, é de certo a faixa mais enérgica, intensa e urgente, tanto musical quanto lírica. Sua letra é baseada no longa de 1993, "Um Dia de Fúria" (Falling Down), estrelado por Michael Douglas.


Variando um pouco nas melodias, mas não muito, ‘Fortunes of War’ explora em sua letra os efeitos devastadores da guerra e apresenta um tom mais envolvente, além de uma ótima interpretação vocal de Blaze, que entrega intensidade e sensibilidade. Com um arranjo musical que evoca um sentimento de busca e questionamento, 'Look for the Truth' apresenta também uma atmosfera sombria e reflexiva junto a uma letra bastante introspectiva.


Uma composição bastante complexa e que combina perfeitamente com os vocais de Blaze, 'The Aftermath' explora o impacto duradouro de eventos traumáticos na vida de uma pessoa. Com riffs poderosos e uma entrega vocal que se destaca, 'Judgement of Heaven' oferece uma vibe mais pesada e urgente, explorando temas de julgamento e redenção. 


‘Blood on the World's Hands' apresenta uma introdução melódica e que evolui para um refrão super poderoso, além de abordar a culpa e as consequências de ações do passado. Uma das músicas que melhor consegue aproveitar a voz de Blaze e transmitir a complexidade dos sentimentos explorados na letra. 


Encaminhando para o final, 'The Edge of Darkness' (baseada no filme "Apocalypse Now" de 1979) e '2 A.M.', apresentam ritmos bastante hipnotizantes que mergulhando na escuridão abordando a solidão e a introspecção pessoal como vulnerabilidade humana. 


Fechando o álbum, ‘The Unbeliever’ se aprofunda ainda mais na temática apresentada até aqui e trazendo uma melodia que evoca um senso de desafio e questionamento e uma entrega vocal de Blaze super carregada de emoção. 


Em linhas gerais, "The X Factor" estabelece um novo patamar de composição para a banda, levando cada um dos músicos a uma nova abordagem musical, ou seja, fugindo dos tradicionais riffs wah-wah e melodias grudentas, mas que garante um grande impacto em termos de produção e vozes poderosas. Além disso, estruturalmente, é o primeiro álbum do Maiden com tempo de duração estendido, uma porta que nunca mais foi fechada e que acabou se tornando uma tendência presente em todos os trabalhos da banda a partir dali. Claro, não chega a ser um proto-prog, estilo que viriam a explorar já com o lançamento de “Brave New World” (2000).

Recepção da crítica

Olhando em retrospecto, é fácil perceber o quão bom e dedicado "The X Factor" foi. Dá pra entender as dificuldades que a banda passou, como Blaze teve de lidar com o novo cargo e como precisou enfrentar os fãs mais fervorosos que o ofendiam e pediam a volta de Dickson durantes os shows .

Mas, ainda lá em 1995, a crítica não chegou a acreditar na coragem que o Maiden teve e em como essa transição teve seus momentos bons. A exemplo do AllMusic que afirmou que o álbum sofria de uma falta de riffs poderosos e que as músicas não eram bem escritas, destacando que o disco era o mais sem brilho dos trabalhos do grupo até então. 

E mesmo os claros elogios ao disco, mas elogios bem acanhados, como é o caso da Sputnikmusic, que chegou a ser um pouco mais positiva, considerou que o álbum trouxe uma mudança significativa e bastante importante e que poderia abrir caminhos mais interessantes para futuros álbuns. E mesmo com o público pegando pesado em relação a Blaze, a crítica especializada em geral elogiou bastante a voz e a empolgação do vocalista.

Reflexões sobre a nova formação


Essa foi, certamente, uma formação que representou o maior período de mudanças, experimentação e adaptação da banda até então. E entre tropeços e escorregadas, conseguiu driblar os novos movimentos musicais da época, se mantendo com alguma relevância no cenário metal dos anos 1990.


É fato que, mesmo não tendo durado tanto tempo assim, e com uma iminente volta de Dickinson a banda já no final daquela década, a experiência adquirida pelos integrantes durante a produção e turnê de “The X Factor” ajudou muito o grupo a crescer e a se preparar para futuras realizações.

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