Um Olhar Mais Profundo Sobre "Jugulator" (1997)

Por Felipe Leonel 

Indo um pouco na contramão dos problemas que diversas bandas sofreram durante os anos 1990, especificamente com o surgimentos de novos estilos e a troca de público que preferia aquele material mais recente e com a cara deles, o Judas Priest passou por dificuldades muito mais devido sua mudança de formação, e um bom tanto de teimosia dos integrantes, já que a música em si não chegou em nenhum momento a ser drasticamente alterada pra agradar a massa jovem naquela década.

Depois de tentar se adequar aos anos 1980, essa sim uma mudança drástica na sonoridade do Judas, a banda decidiu que valia mais pena seguir pelo caminho mais pesado já no final daquela década. Com o lançamento de “Painkiller” em 1990, parecia que o Judas havia retornado de vez a boa forma dos anos 1970, mas dessa vez, ainda melhor. O disco teve máxima aceitação de público e crítica e chegou a ganhar uma turnê extensa ao longo de dois anos. 

Mesmo com todo esse sucesso, os desgastes e brigas internas começaram a crescer cada dia mais colocando Rob Halford, vocal de longa data da banda, pra fora do grupo logo após a turnê. Um baque pros fãs, mas mais ainda pros remanescentes do Judas Priest. Com essa saída, começa em 1993 uma busca por um novo vocalista, e que duraria alguns anos. 

Queimando algumas pontes e indo direto ao assunto, foi somente em 1996 que o americano Tim Owens, ganhando o apelido de “Ripper” durante as conferências com jornalistas, entrou pra o grupo oficialmente. Egresso de uma banda cover de Judas, chamada British Steel, Owens foi escolhido pela sua habilidade excepcional em cantar de forma tão poderosa e precisa quanto Halford e, de certa forma, “imitando” o vocalista britânico com grande perfeição. 

A escolha de Owens gerou bastante curiosidade, mas muito ódio entre os fãs, já que alguns até achavam que ele era a escolha certa, mas muitos outros simplesmente não aceitavam a saída de Halford de bom grado. Shows permeados por cartazes com mensagens pedindo a volta do antigo vocalista e muitos, mas muitos, coros de “protesto” durante as apresentações eram comuns. 

Isso não impediu que o grupo seguisse fazendo shows lotados e dando uma série de entrevistas elogiando seu novo vocalista. Mais ainda, não impediu que a banda lançasse um disco novo logo no ano seguinte. 

Jugulator para (quase) todos os públicos

Lançado em duas datas diferentes, primeiro no dia 16 de outubro no Japão e poucos dias depois, em 28 de outubro, no restante do mundo, “Jugulator” foi o primeiro álbum de estúdio da banda em uma lacuna de sete anos desde o lançamento de “Painkiller”. Foi também o primeiro de dois álbuns de estúdio com Owens à frente dos vocais. 

O disco também apresenta um tom bem mais sombrio em comparação aos trabalhos anteriores da banda, considerando principalmente toda a fase anos 80, e que incluem nas letras temáticas sobre demônios, violência, revolta, rebelião, tecnologia e até mesmo o fim do mundo, tema principal da música ‘Cathedral Spires’, por exemplo. 

Como contraste as afinações mais tradicionais usadas nos trabalhos anteriores, aqui as guitarras foram afinadas meio tom abaixo, fazendo com que o som saísse um pouco daquele heavy/speed metal característico do Judas pra um som mais orientado ao thrash metal. Claro, nada que tornasse o grupo algo totalmente fora do que os próprios fãs estivessem acostumados, mas trouxe algo de diferentes ao som da banda. 

Além disso, em termos de composição, é possível perceber que a banda está bastante solta e a vontade na hora de produzir o álbum. Scott Travis parece muito mais liberto pra soltar sua ferocidade com as baquetas, elemento esse que empurra algumas das faixas. Outro integrante que que se mostra muito mais ao longo do álbum é Ian Hill, com seu baixo aparente e que consegue ser muito bem ouvido.  Quanto a Owens, não tem muito o que dizer. Dá pra ver que o vocalista quis e mostrou serviço ao longo de cada uma das músicas. Em suma,  "Jugulator" consegue sim ser um disco 100% Judas Priest.

Nenhuma dessas mudanças, porém, foi capaz de colocar o Judas como uma das principais bandas de metal daquela geração. Pra isso, o grupo precisaria manobrar bem mais pra conseguir alcançar a mesma popularidade que artistas como Marilyn Manson, Coal Chamber, Fear Factory e Rob Zombie estavam tendo. Mas, claro, conseguiram sim manter seu nome em alta durante um período complicado pra grande maioria das bandas de metal até então.

Discutindo faixa a faixa

Como já citado, "Jugulator" é um álbum que mergulha de cabeça em temas mais sombrios, agressivos e distópicos, além de apresentar uma sonoridade mais pesada e moderna, mesmo que mantenha todas as principais características do Judas. E mesmo não sendo um disco conceitual, cada uma das músicas contribui pra uma espécie de narrativa geral, quase como se o álbum realmente contasse uma história, ao mesmo tempo em que conseguem explorar cada um dos diferentes temas apresentados de forma primorosa. 

Faixa-título do disco, ‘Jugulator’ abre o álbum com uma introdução super pesada e atmosférica, estabelecendo logo de cara o tom do disco. Sua letra retrata um personagem poderoso que se vê como um executor da justiça e da vingança. Já ‘Blood Stained’ continua com a mesma intensidade, abordando temas de violência e destruição onde caos e carnificina reinam e sangue é derramado sem remorso. Aqui é apresentando uma reflexão sombria sobre a natureza brutal da humanidade.

Em ‘Dead Meat’, a letra explora temas de desumanização e desespero sugerindo um ambiente apocalíptico onde a vida humana é tratada como carne morta, destacando a crueldade e a indiferença do mundo, tudo com muito peso e velocidade. Já com um ritmo mais lento e riffs bastante poderosos, ‘Death Row’ descreve a experiência de um prisioneiro no corredor da morte, abordando uma reflexão sobre a justiça e a mortalidade.

Voltando a pegada mais rápida, ‘Decapitate’ explora o tema da decapitação e da violência extrema. ‘Burn in Hell’, primeiro e único single do álbum, explora a ideia de culpa, punição e redenção perdida, além de ser um exemplo perfeito de como a bateria e baixo se mostram absurdamente presentes ao longo de toda a canção.  

‘Brain Dead’ vem com tudo em seu ritmo rápido e pesado enquanto aborda a alienação e perda de identidade, refletindo um estado de desespero e confusão mental. Agora, saindo um pouco das temáticas até então, ‘Abductors’ trata sobre abduções alienígenas e teorias da conspiração.

Uma das músicas mais rápidas e intensas do álbum, ‘Bullet Train’ sugere uma jornada em alta velocidade rumo ao desconhecido. E encerrando o álbum de forma majestosa, ‘Cathedral Spires’ apresenta uma atmosfera mais épica e grandiosa explorando temas de espiritualidade e transcendência, além de metáforas pra aspirações elevadas e a busca pela salvação.

Como parte promocional de “Jugulator”, a faixa "Burn in Hell" chegou a sair como o único single do disco, além de ter ganhado também um videoclipe que foi transmitido nos principais canais musicais da época, como MTV e VH1. Uma curiosidade desse clipe é que mais de dois minutos da música original acabaram sendo removidos no vídeo final, com a versão de estúdio beirando os 7 minutos e o vídeo com pouco mais de 4 minutos. Além disso, a banda também entrou em uma extensa turnê de divulgação, passando por diferentes países pelo mundo todo. 

O clássico de uma era (quase) esquecida

Ainda que bastante dividido, considerando as reações positivas por parte da crítica especializada e negativas pelos fãs de forma geral, “Jugulator” alcançou um patamar de clássico ao longo dos anos por seus próprios méritos. E mesmo que, de certa forma, ainda ignorada por muitos fãs, a era Tim "Ripper" Owens tem uma grande importância na vida Judas. 

“Jugulator” é também a prova certeira de que, se o álbum tivesse efetivamente falhado em sua missão de manter o grupo em pé, era possível que o Judas já tivesse se desfeito ainda naquela época e nos privado de todas as obras-primas que viriam posteriormente. O álbum também impulsionou a composição do disco “Demolition”, que só saiu em 2001, sendo o segundo e último trabalho de Owen a frente dos vocais do Judas, já que pouco depois de sua demissão, a banda anunciaria o retorno de Halford a frente do grupo. 

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