Um Olhar Mais Profundo Sobre "Sound of White Noise" (1993)

Por Felipe Leonel

Não é nenhum segredo pros fãs de rock/metal que a década de 1990 foi um momento bem complicado, diferente e cheio de novas abordagens musicais pra uma série de bandas da cena. Mudanças de direcionamento já no começo daquele período chegaram como um choque pra diversos críticos e pros fãs, mas quem foi afetado mesmo foram as bandas da velha guarda. 

A chegada do grunge, groove metal e do rock alternativo (que podia ser qualquer coisa), fizeram com que bandas consagradas de heavy metal e thrash metal saíssem de suas zonas de conforto e entrassem de cabeça em um estilo que eles mal entendiam, com alguns segurando as pontas e uma cacetada de outras fazendo muito som ruim. Isso se estende até o final daquela década, já com o Nu Metal, mas aí a conversa já é pra outro momento.

Uma das bandas que mergulhou profundamente nessa mudança, mas soube segurar as pontas e criar um som bastante característico praquele momento, foi o Anthrax. Não por muito tempo, claro, mas deu conta o suficiente, pelo menos até seu retorno ao bom e velho thrash metal lá no começo dos anos 2000.  

Claro, apesar de todas as mudanças sonoras que ocorreram naquele momento, isso tudo acabou sendo um reflexo também do que o próprio grupo estava passando internamente e que já vinha de uma sucessão de problemas de, pelo menos, três anos. Isso tudo pra justificar que o Anthrax não se tornou uma banda completamente diferente da noite para o dia. 

Muito além do que rolava na cena até ali, e muito mais aos problemas relacionados com alguns membros, é fácil criar uma ligação entre o último disco do vocalista Joey Belladona e o primeiro de John Bush nos vocais, ou seja, "Persistence of Time" (1991) e "Sound of White Noise" (disco esse do qual eu já vou falar mais sobre).

O clima sombrio que assolava os membros criou um ambiente propício pra brigas e também pra ótimas composições. Somando isso a demissão de Belladona e a separação do Armored Saint por desgaste, colocar Bush como vocalista do Anthrax em meio a uma sucessão de problemas acabou sendo a melhor decisão feita pelos membros remanescentes. 

Sim, mesmo pros fãs de Armored Saint, escutar a voz de Bush no Anthrax foi certamente uma forte primeira impressão, em poucas palavras, uma sensação estranha, mas muito bem vinda. Com seu vocal médio tão característico e uma abordagem lírica muito mais ácida e afiada do que seu antecessor, Bush conseguiu manter toda a seriedade que a banda havia emplacado tão bem no álbum anterior, mas mantendo os tons que contemplavam os tradicionais ganchos melódicos do grupo. Foi a escolha ideal naquele ponto e que se encaixa naturalmente no estilo contemporâneo que a banda procurava.

O Álbum

Falando do disco em si, "Sound of White Noise" é o sexto álbum de estúdio do Anthrax, lançado em  25 de maio de 1993. Desde seu lançamento, o álbum se tornou um marco na carreira da banda, principalmente nessa espécie de nova era do grupo que, com a entrada de Bush nos vocais, o disco também acabou sendo o último trabalho do guitarrista Dan Spitz, dois elementos importantes e que influenciaram na mudança sonora. 

Parte principal nas composições, Bush foi um grande colaborador na hora de criar o material que constitue o disco. Mesmo que a composição em si tenha começado lá atrás, ainda com Belladona na banda, a grande maioria do material foi feito após entrada de Bush, e só tiveram o tratamento e o refinamento certo já com o vocalista à frente do grupo.

Toda a experiência adquirida durante seu tempo no Armored Saint e sua excelente nova relação com os membros do Anthrax, assim como as influências pessoais do cantor, fez com que "Sound of White Noise” tivesse o melhor de ambos os mundos, além da atenção certa durante a sua criação. 

O álbum mantém a abordagem mais séria que a banda havia implementado ainda no final do anos 1980, sendo considerado um ponto de virada na carreira do Anthrax e demonstrando a capacidade do grupo em evoluir, experimentar e revolucionar sua música em novos sons. E, apesar da estranheza de muitos a música deles naquele momento, foi isso que manteve o grupo relevante em uma era tão complicada de transição no heavy metal. ​ 

Essa mudança sonora também pode ser justificada pela produção do álbum, que ficou a cargo de Dave Jerden, bastante conhecido por trabalhar com bandas como Jane's Addiction e Alice in Chains, duas gigantes do grunge/metal e rock alternativo. Isso tudo ajudou a colocar o álbum em um patamar bem elevado em comparação a outras produções naquele momento, muitas vezes visto como o trabalho mais maduro da banda até então.

Faixas do Álbum

Abrindo o álbum, "Potters Field" chega carregada de energia e mostrando logo de cara que aquele disco não é o que os fãs estavam acostumados, mas que podiam esperar o melhor. A faixa é também uma transição excelente pra “Only”, o primeiro e principal single do disco,  frequentemente destacada como um dos maiores sucessos e melhores canções da banda até hoje. 

Seguindo o mesmo caminho e uma vibe tão arrebatadora quanto, “Room for One More”, terceiro single do disco, se destaca pelo seu peso e ritmo acentuado, assim como um refrão mega cativante. “Packaged Rebellion” pode soar mais fraco a primeiro momento, ainda mais quando se tem uma abertura de disco tão marcante, mas consegue mostrar potência em seu riff principal. “Hy Pro Glo”, quarto e último single, aparece com uma pegada bem mais groove e com mudanças de linha vocal bastante interessantes.

"Invisible" e "1000 Points of Hate" são boas canções, mas que acabam sendo um pouco ofuscadas diante das músicas anteriores, mas servem de forma perfeita como transições. Outro dos destaques do álbum, e também o terceiro single, "Black Lodge" surge como uma balada triste e introspectiva, uma colaboração com Angelo Badalamenti, compositor de trilhas sonoras para os filmes e séries de David Lynch. Além disso, a faixa é uma homenagem à série "Twin Peaks", e seu título faz referência a uma dimensão alternativa apresentada na série. 

Fórmula química do pentotal sódico, mais conhecido como "soro da verdade, "C11 H17 N2 O2 S Na" surge como um certo alívio, com um ritmo rápido e levada bem mais pesada. Também super rápida, com uma bateria matadora, já encaminhado para o final, "Burst" chega como um hit destruidor e pronto pra te fazer bater cabeça. Fechando sua 1 hora e 14 minutos de álbum, "This Is Not an Exit" encerra de forma absurdamente competente o disco, se apresentando de forma pomposa e bastante intensa.

Vale lembrar que todos os singles chegaram a ganhar seus respectivos videoclipes promocionais, os quatro lançados antes e depois da chegada do álbum às lojas, além de  transmissões regulares nos principais canais musicais da época, como MTV e VH1.

Em 2001, “Sound of White Noise” ganhou uma versão remasterizada carregada de faixas bônus. Entre elas, "Auf Wiedersehen", cover do Cheap Trick, "Cowboy Song", cover do Thin Lizzy, "London", cover dos The Smiths e "Black Lodge" em uma versão ‘remix’, chamada Strings Mix. 

A única constante é a mudança!

O Anthrax desempenha até hoje um papel de grande importância na história do rock/metal mundial. E mesmo com todos os perrengues dos anos 1990 e muitas outras mudanças de formação pós “Sound of White Noise”, o grupo continua entregando o melhor em termos musicais, o que muitas outras bandas contemporâneas a eles simplesmente não conseguiram. 

Eles foram, de fato, os primeiros entre os “Big Four” a passar por uma mudança tão radical, e isso bem no início da década. Claro, conforme a coisa foi passando, essa mudança toda acabou alcançando o Slayer (“Divine Intervention” 1994 e “Undisputed Attitude” 1998), depois Metallica (“Load” 1996 e "Reload” 1997) e, não muito depois, o próprio Megadeth (“Cryptic Writings” 1997 e "Risk" 1999).

“Sound Of White Noise” é sim uma evolução fora dos padrões daquilo que se esperava naquele momento, mas é um disco que contém muita história, poder e influência. Em suma, um clássico inegável e permanente de uma das maiores e melhores bandas de thrash metal dos EUA.

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