Os Substitutos

Por Felipe Leonel

Imagina viver em um mundo onde androides hiper realistas controlados através de gadgets neurais te permitem realizar qualquer tipo de atividade e ainda oferecem uma série de benefícios em estar por aí afora, no mundo real, sem que seu corpo verdadeiro, de carne e osso, sofra qualquer tipo de dano, até mesmo nos cenários mais perigosos e mortais.  

Usados pela grande maioria dos humanos adultos, os substitutos permitem que cada pessoa possa experimentar o mundo por completo, sem limitações, de forma remota na segurança de sua próprias casas e evitando todo e qualquer tipo de discriminação. Com eles, também é possível mudar todos os aspectos físicos possíveis, além de aprimorar a aparência pelos mais variados motivos, inclusive pela pura vaidade.


Essa é a premissa de ‘Os Substitutos’ (ou ‘The Surrogates’ no original), uma história em quadrinhos de tom bastante sombrio e ambientada em um futuro não tão distante. Criada pelo roteirista Robert Venditti e com arte de Brett Weldele, a minissérie foi publicada pela primeira vez em 2005 pela editora Top Shelf Productions, com lançamento também no Brasil pela Editora Devir, em 2009. 

Uma mistura inusitada de "Matrix", com um pouco de Philip K. Dick e uma pitada generosa de noir detetivesco, em “Os Substitutos” somos apresentados ao policial Harvey Greer, que investiga um caso de terrorismo relacionado aos androides. 

Durante as investigações, Greer acaba tendo seu substituto destruído e, totalmente desnudo de seu reserva, decide seguir as pistas encontradas assim mesmo. A partir daí, o policial acaba descobrindo uma grande conspiração que ameaça a ordem social baseada na dependência das pessoas em relação aos substitutos e sua empresa desenvolvedora, a Virtual Self, Inc.

Com críticas acertadas e bem construídas em seu roteiro, a trama da HQ aborda questões de identidade, auto aceitação, alienação e o impacto dessa realidade na sociedade, levantando a questões também sobre até que ponto as pessoas estão dispostas a depender da tecnologia para viverem suas vidas. 

A arte altamente estilizada de Weldele também se mostra muito interessante na hora de contar a história, já que o ilustrador usa uma paleta de cores bastante limitada, com variações das mesmas cores, e uma estética que complementa o tom distópico da história. Apresenta também uma combinação de páginas com maior número de quadros e composições diferentes.

“Os Substitutos” também apresenta uma série de paratextos todo final de edição, intercalando cada um dos capítulos e fornecendo outros detalhes narrativos, ao mesmo tempo em que completa a trama principal. 

Esses trechos são apresentados em formato de jornal online, o "Dail-e Tablet", assim como em artigos de revista e até panfletos publicitários. Esses elementos funcionam muito bem e ajudam a construir não somente a história, mas também oferecem uma atmosfera interessante enquanto explicam mais profundamente os conceitos desse cenário.


Lançada originalmente em 5 partes, a minissérie acabou sendo compilada posteriormente em um único volume e, além de sua adaptação para o cinema em 2009, estrelada por Bruce Willis, a HQ também chegou a ganhar uma prequência e uma antologia de histórias independentes.  

"The Surrogates: Flesh and Bone” se passa quinze anos antes da história original e explora os primeiros dias dos substitutos nas ruas sob uso recreativo. Na trama, tumultos acabam ocorrendo após um assassinato relacionado aos androides enquanto Greer, ainda em início de carreira como um patrulheiro, acaba responsável pela investigação da morte por espancamento de um sem-teto pelas mãos de um adolescente que usava o substituto do pai sem permissão. 

Já em “The Surrogates: Case Files", um spin-off da série, a história se aprofunda ainda mais no universo principal e apresenta histórias adicionais que exploram diferentes aspectos e outros personagens do mundo dos substitutos. São tramas que se concentram em casos investigativos envolvendo crimes e outros mistérios, como o uso e abuso dos androides, oferecendo uma compreensão mais rica dos dilemas e desafios de um mundo onde a tecnologia redefine a experiência humana. 

Ainda que tenha certo nível de sexualidade, linguagem mais pesada e temas referentes a violência, a HQ consegue explorar muito bem as temáticas abordadas em sua trama oferecendo bastante ação e reviravoltas, além de um debate interessante sobre tecnologia e o quão longe a humanidade é capaz de ir para realizar seus próprios desejos.

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