Um Olhar Sobre as Obras METROPOLIS de Fritz Lang e METROPOLIS de Osamu Tezuka


Por Felipe Leonel

Cravar com toda a certeza do mundo que uma obra é completamente original e nova, que nada ali tem ou teve alguma influência de alguma outra coisa é, com toda a garantia, algo impossível, já que nada vem do nada e que todas as histórias que nós conhecemos tem suas próprias influências, seja nos quadrinhos, no teatro, na literatura e, claro, no cinema.

O clássico literário alemão, “Metropolis” publicado em 1925 e escrito por Thea Von Harbou, foi produzido já com a ideia de levar a história do livro para o cinema, e com direção de Fritz Lang, na época, marido de Thea. Essa parceria entre os dois nesse projeto em especial, marcou o cinema mundial pra sempre. A produção cinematográfica lançada em 1927 foi capaz de gerar uma série de outras obras tão relevantes quanto ao longo de seus quase 100 anos. Obras essas influenciadas tanto pelo livro, mas principalmente pelo filme.  

Uma delas em particular, criada do outro lado do mundo, o longa animado "Metropolis", de 2001, dirigido por Rintaro e escrito por Katsuhiro Otomo, é uma adaptação do mangá clássico de mesmo nome, publicado em 1948, e escrito pelo deus dos mangás, Osamu Tezuka. E ainda que compartilhem os mesmos nomes, ambas as obras de ambas as mídias são apenas interpretações uma da outra. No caso, mangá e animação são livremente baseados nos trabalhos de Thea e Lang.  Mas, claro, a influência é completamente inegável. 

Falando especificamente de ambas as produções pra tela grande, "Metropolis de Fritz Lang” se tornou um dos filmes mais icônicos e influentes de sua época pela inovação visual, pela visão futurista e pela crítica a sociedade daquele momento. Já a animação ganhou a atenção de seu público pela combinação de elementos visuais que misturam animação tradicional com computação gráfica de forma estrondosa, além de uma trama dramática e super cativante. 

Em ambas as obras pro cinema, a diversidade de temas abordados reflete com clareza a riqueza e a complexidade que os autores buscavam transmitir na telona. Desde o drama humano em busca da sobrevivência sob um regime de trabalho que privilegia apenas as altas castas, até a evolução da mente e do corpo em uma nova geração de seres artificiais ainda mais humanos que os próprios humanos, tudo o que METROPOLIS (1927) e METROPOLIS (2001) discute, fala diretamente sobre as preocupações que a sociedade de cada uma das duas épocas mais se preocupava. 

Duas gerações espaçadas por 74 anos de história, duas gerações de cineastas de diferentes pontos do planeta, duas obras que levam o mesmo nome, mas que abordam seus principais problemas e aspirações de maneiras muito diferentes. Dá pra falar muito sobre cada uma delas e ir longe na conversa. 

METROPOLIS de Fritz Lang 

 
Como já foi falado a pouco, "Metropolis de Fritz Lang" é um dos filmes mais icônicos e influentes do cinema mundial, e uma obra-prima do expressionismo alemão. E além de seu visual estonteante, com uma atmosfera surreal e emocionante representada pelos cenários colossais, prédios suntuosos e arquitetura futurista, sua trama também apresenta um visão bastante distinta do conceito de sociedade, com uma crítica contundente ao capitalismo industrial e à exploração dos trabalhadores, refletindo as preocupações sociais e políticas da época ao mesmo tempo que também apresenta uma ideia positivista daquele futuro distópico.
 
A história se passa em uma gigantesca cidade futurística sem nome ou ano definidos, um personagem a parte do filme - criada com base na pintura The Tower of Babel de Friedrich Wilhelm Murnau - e que é dividida em duas classes sociais bastante distintas. 


De um lado, os ricos, que vivem em uma superfície luxuosa, limpa, cheia de diversão e distrações agradáveis, comida abundante e o mínimo de esforço possível. Do outro lado, os trabalhadores, que labutam em condições desumanas no subsolo enquanto operam as máquinas que mantêm toda a estrutura funcionando 24 horas por dia. 

A trama acompanha o mimado Freder, filho do líder e criador dessa cidade, Joh Fredersen, que descobre a dura realidade dos trabalhadores após conhecer e se apaixonar por uma jovem operária, Maria. A partir de sua descoberta, Freder acaba descobrindo cada vez mais o desespero e a tristeza dos habitantes do subsolo e começa a questionar o sistema de classe em que vive, buscando ao mesmo tempo uma maneira de unir os dois mundos e trazer equilíbrio à essa sociedade. 

“O mediador entre a cabeça e as mãos deve ser o coração”

Além das ações de Freder durante a trama, o enredo também acompanha o brilhante inventor e cientista Rotwang, cuja maior conquista é a criação de um robô feito na forma de uma mulher, um substituto para seu amor perdido, Hel. Eventualmente, com planos de se vingar de Fredersen por ter roubado sua amada muitos anos antes, Rotwang acaba sequestrando Maria e transferindo a imagem da mulher para o robô com planos de usar a Máquina-Maria para incitar uma rebelião entre os trabalhadores e ao mesmo tempo causar uma luxúria destrutiva entre a elite rica usando seus atrativos físicos.

Mesmo com a destruição de parte da cidade por causa de uma enchente devastadora, causada por Rotwang e a Máquina-Maria, o encerramento do longa oferece uma solução bastante otimista onde a paz é restaurada. No processo, Freder e Maria emergem do desastre como figuras unificadoras entre as duas classes.


Quando comparado com o livro, diversas diferenças acabam surgindo. Além de alguns aprofundamentos na história de certos personagens, como Fredersen e o próprio Rotwang, e em uma expansão do enredo para incluir subtramas e personagens adicionais que não aparecem no filme. O que mais se distancia do material original acaba mesmo sendo o final do longa. 

No filme, o otimismo acaba sendo o ponto focal pro encerramento. No entanto, o livro apresenta um final mais sombrio e, de certa maneira, ambíguo em sua narrativa, já que com a cidade quase toda destruída, Freder decide partir pra encontrar um novo começo em busca de um futuro longe de seu lar.

Em toda a sua complexidade e tempo de vida do longa, "Metropolis" consegue ser mais do que apenas um filme, consegue ser uma obra de arte cinematográfica que transcende seu tempo e continua a inspirar e provocar reflexões sobre questões sociais, políticas e, por que não, até mesmo filosóficas, levando sua influência para alguns milhares de produções de ficção científica durante todos esses anos. 

Fritz Lang's METROPOLIS (1927) - Trailer Oficial

METROPOLIS de Osamu Tezuka 


Embora leve o nome de Tezuka na capa e compartilhe seu título com o filme de Lang, “Metropolis de Osamu Tezuka” é uma interpretação cinematográfica baseada no mangá, criado pelo próprio Tezuka, mas escrita e dirigida por outros indivíduos. Mangá esse que também só compartilha o nome com o longa de 1927, já que a história e seus personagens são completamente diferentes.
 
Escrito por Katsuhiro Otomo, criador de Akira, e dirigido por Rintaro, veterano na indústria de animação japonesa e conhecido por seu trabalho em "Galaxy Express 999" (1979) e "Astro Boy" (1963), o longa de 2001 aborda temas de identidade, poder, tecnologia e a relação entre humanos e máquinas. Também explora questões sociais, como desigualdade, opressão e a busca por liberdade e igualdade.

A trama do longa se passa em uma cidade futurista, aqui chamada de Metropolis, onde humanos convivem com robôs. A trama segue a história do detetive particular Shunsaku Ban e seu jovem sobrinho Kenichi, que viajam para a cidade com intuito de capturar o cientista Dr. Laughton, um notório traficante de órgãos. Enquanto isso, uma robô humanoide chamada Tima, criada pelo Dr. Laughton, desperta para descobrir sua verdadeira identidade e destino em meio a crescente tensão que forma entre humanos e robôs naquele exato momento.


Além desses personagens, também somos apresentados ao tirânico governante da cidade e líder da organização secreta Marduk, Duque Red, que busca consolidar seu poder construindo uma estrutura colossal chamada Ziggurat e que tem Tima como a "chave" para ativar a estrutura, um papel que ela mesma desconhece. O plano de poder do Duque recebe ajuda de Rock, seu filho adotivo, que odeia robôs e se vê como protetor do próprio pai.

No clímax do longa, Tima acaba sendo conectada ao Ziggurat, dando início ao plano malévolo do Duque. No entanto, sua consciência humana e seus sentimentos por Kenichi entram em conflito com sua programação, resultando em um colapso catastrófico da estrutura resultando e um ataque tanto humanos quanto robôs.

Durante a confusão, o Ziggurat acaba entrando em colapso, destruindo grande parte de Metropolis e também de Tima no processo que, de alguma forma, acaba sobrevivendo de maneira não física por todos os tipos de frequências da cidade.

Assim como na versão de Lang, a grande cidade apresentada na animação é retratada de maneira majestosa, com arranha-céus imponentes, luzes cintilantes e uma atmosfera futurista que evoca uma sensação de grandiosidade e opulência fazendo dela um personagem a parte em meio a trama. A diferença aqui, além das cores proeminentes, é que a arquitetura do local apresenta designs mais homogêneos, com estilos diversos, alguns com uma pegada mais noir, outras voltadas para retrofuturismo e, até mesmo, elementos de cyberpunk/steampunk por toda a parte. 


Entre os temas, o longa aborda de forma profunda a natureza da humanidade, a coexistência entre humanos e máquinas, e a luta pelo poder e controle. Destaca questões de identidade e o que significa ser humano, enquanto a opressão social e a desigualdade são refletidas na divisão da cidade e na rebelião dos robôs contra seus opressores.

De certa maneira, o longa animado consegue apresentar algo novo em seu enredo, ao mesmo tempo que é capaz de atualizar a discussão abordada no longa de 1927, abordando  a discussão com um pensamento novo e oferecendo uma narrativa rica e emocional que ressoa com questões tanto contemporâneas quanto atemporais. 

Osamu Tezuka's METROPOLIS (2001) - Trailer Oficial


No fritar do ovos, ambos “METROPOLIS de Fritz Lang” e “METROPOLIS de Osamu Tezuka” oferecem interpretações únicas de suas ideias e de seus temas situando os filmes dentro de seus contextos culturais e sociais próprios e ao mesmo tempo refletindo as ansiedades da sociedades da década de 1920 e das preocupações e medo do início novo milénio. 
 
Seja como parte de um estudo cinematográfico ou pela pura apreciação da arte, ao longo de todos esses anos - com o trabalho de Lang perto dos 100 anos de existência - cada um dos dois legados continua contribuindo significativamente para a cultura popular e influenciando diversas outras produções para a tela grande. 

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