Stalker (1979)

Cova Rasa: Desenterrando filmes antigos por diversão
Por Felipe Leonel

сталкер 1979 

Figura central do cinema russo e criador de obras enigmáticas e profundas, Andrei Tarkovsky solidificou seus trabalhos com perspectivas distintas ao cinema hollywoodiano, se aprofundando em temáticas pouco utilizadas no cinema ocidental e relegando estéticas mais tradicionais, introduzindo não só tramas contemplativas, mas também abrangendo em suas cores significados e pensamentos diversos sem perder o direcionamento e a mensagem produzida na trama. Cada longa se dedica exclusivamente a interpretações filosóficas significativas, discutindo existência e criação em minímas palavras. “Solaris” (1972), “Andrei Rublev” (1966) e “O Espelho” (1975), demonstram categoricamente, entre elementos narrativos, fotografia e atuações, a esteticidade criada por Tarkovsky ao longo de suas criações. 


Adaptação do romance “Roadside Picnic”, escrito pelos irmãos Arkadi e Borís Strugatski em 1971, “Stalker” (сталкер), traz a perspectiva assombrosa de um mundo distópico após a queda de um meteorito em uma cidade sem nome ou identidade. Nela existe a “Zona”, um lugar isolado e protegido pelo exército, mas que eles próprios não têm coragem de entrar. Dentro dela, o “Quarto”, onde os desejos pessoais mais sinceros de quem adentra são realizados. O longa aborda a jornada de Stalker (Aleksandr Kajdanovsky), responsável por transportar pessoas até “Zona”, acompanhando outros dois indivíduos, o professor (Nikolai Grinko) e o escritor (Anatoli Solonitsyn), a primeira vista desiludidos e sem esperanças, cada um com seus interesses próprios do que a “Zona” poderia proporcionar, levando a uma busca da fé pelo ser humano e de seu paraíso interior. 


Capas de diferentes edições do livro dos irmãos Strugatski 

Adentrar a Zona não é trabalho simples, ainda que não fique claro, algumas poucas explicações deixam no ar as transformações em que a “Zona” passa, alterando sua própria estrutura e modificam-se a todo instante, cada visita implica em novas armadilhas e riscos diferentes, apenas Stalker tem as habilidades para decifrar os segredos mutáveis do local. A trama salienta, entre diálogos e gestos, que as pessoas que adentram o “Quarto” estão apenas em busca da felicidade. Com cenas longas e contemplativas, o longa se altera quase que completamente após a entrada efetiva dos personagens à “Zona”. A perspectiva muda inesperadamente, as cores surgem e o mundo sem cor se torna uma paisagem verdejante enquanto os três, sentados em uma carriola em velhos trilhos, vislumbram o cenário ao seu redor. Com quase 3 horas de duração, o longa situa pouco a pouco a história de cada um, identificando de formas, talvez, avessas a suas motivações. A água ganha importância na trama, traduzindo seu significado na forma da criação, na matéria essencial e primitiva, fomentado na forma de tudo o que existe. 


Os significados e representatividade empregados no longa de forma poética  

Cada personagem ganha sua própria simbologia associada às suas personalidades. Stalker se caracteriza no messias, suas abdicações, negações de certos prazeres e a dedicação da jornada. Para ele, a “Zona” é um lugar de fuga do mundo real, aqui, mostrado de forma opaca em tons sépia em uma atmosfera deprimente e desiludida, uma espécie de limbo para seus medos em constante oposto as vontades de sua mulher (Alisa Frejndlikh), vivendo a cada momento a solidão em consequência das escolhas do marido com uma filha deficiente e apática do mundo ao seu redor. O escritor representa a arte e o professor a ciência, sobre eles, os significados de cada um, ficam mais claros apenas no final.


O mundo real retratado sob a ótica da desilusão em tons sépia.
Contraste significativo ao mundo dentro da "Zona"

Entre pequenas artimanhas para decifrar os perigos ao redor e diferentes perspectivas de sonhos, surgem indagações e discussões a todo momento, dúvidas e desilusões são colocadas à mesa como uma prova da vontade de seus desejos na procura de realizações que o “Quarto” pode conceder. Stalker joga ferozmente suas posições em relação a “Zona”, dando sermões por diversos momentos, em alguns se torna quase uma piada para o escritor. Ainda que curiosos com as inexplicáveis forças do local, escritor e professor apresentam mudanças drásticas ao que inicialmente aparentavam, já na entrada do “Quarto”. O escritor se decepciona acreditando ser apenas uma ilusão, não capaz de realizar a totalidade de seus desejos, indiferentes aos desejos da alma. Professor, vislumbrado com o potencial sobrenatural da “Zona”, revela não ter a intenção de entrar no “Quarto” mas sim de destruir o local alegando ser algo perigoso, podendo trazer riscos para outras pessoas. No final, tanto professor quanto escritor se decepcionam com o misterioso lugar retornando sem nem ao menos saber a verdade.   

 

A conclusão surpreende pela revelação de algo maior e tão misterioso quanto os acontecimentos ao longo do filme, quando a filha do Stalker move o copo d’água em cima de uma mesa de madeira apenas com o olhar, deitando seu rosto na mesa logo em seguida enquanto todo o ambiente estremece com o trem passando ao som da nona Sinfonia de Beethoven. "Stalker" deixa impressões e cria um imaginário mais interessante sobre a realidade envolta a trama.


A decepção e o vislumbre do "Quarto" e a surpreendente
revelação de um mundo muito maior


Stalker 1979 (trailer original de lançamento)

Comentários

  1. Muito bom. Pena que não tenha um remake nos dias de hoje.

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    Respostas
    1. Essa versão do Tarkovsky é icônica. Ele criou uma versão própria dessa história.

      Talvez não um remake dessa versão cinematográfica, mas uma nova adaptação fugindo do material cinematográfico do Tarkovsky e se aproximando muito mais do livro.

      MAS, umas nova adaptação do livro, seguindo a trama original e os acontecimentos do romance, acho que sim, concordo, seria uma ótima pedida.

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